Dia de tartaruga

dentro de mim mesmo escondido do planeta assim como uma tartaruga se esconde quando vê algum sinal de perigo. dentro de mim mesmo, escuro, uma sopa de tartaruga. fugindo do mundo, em paz espiritual, no sábado. o sábado cinzento da minha mente.

cores estranhas sensações de vertigem e uma escuridão total, uma ausência de luz, sombras, muitas sombras de negrume sobre negrume, dançando, cabeçudas, japonesas, coreanas, de algum outro planeta talvez, sombras, ausências, vazios, corrosões.

ecos do planeta terra, músicas antigas, barulhos de carros, falas esquecidas de pessoas que conheci, fumaça. um passado cada vez mais comprido e esticado junto com um futuro cada vez menor e nanico. tudo misturado numa só sopa de tartaruga, líquida, verde, uma tartaruga derretida. perdendo o contato com a realidade, vou sentindo meus dedos, minhas unhas sendo desligadas. dormentes, e depois desligadas, as unhas, as pontas dos dedos, formigando e perdendo o contato com o resto do planeta, um arrepio correndo pelas pernas, como um suspiro fantasmagórico e fanático DE OUTRO MUNDO, pelo peito, me dando vontade de vomitar, um frio estranhíssimo na cabeça, no couro cabeludo, uma pontada.

desligamento

algo vermelho bem escuro pulsando dentro de mim algo que flui, sangue, vida, entranhas. me volto para ver minhas entranhas, tento VER MINHAS ENTRANHAS de todo jeito, mas acho que são só meus olhos olhando para a parte de dentro da pele das pálpebras. se eu quisesse ver minhas entranhas, será que não seria capaz?

introspecção muda cega surda multi-sensorial. sensorial, que vem de sentimento. uma coisa abstrata como uma minhoca se mexendo debaixo da terra, um sentimento de terra abafada e oca, regada, adubada, não sei, oca e abafada, quente, como o âmago da própria minhoca. a minhoca debaixo da terra, o coração da minhoca dentro da minhoca. minha introspecção. aliás minhoca tem coração? essa pergunta cortaria algo importante portanto ninguém liga, talvez seja um sistema difuso de pensamento e sentimento e de espalhamento de sangue, pelos poros, não sei, não gostava de biologia não passei no vestibular me lembro da Isadora fazendo vestibular comigo e estudando inglês e as coisas que ela disse ficaram penduradas como uma lâmpada empoeirada dentro do meu pulmão, talvez, dificultando a respiração, o ato puro e simples de respirar, ela e muitas outras pessoas e fatos empoeirando meu quarto interno, minha cama torta, minhas células, meus átrios, meus motores minha mitose meu processo corporal e pneumático.

osmose cósmica do meu auto-esquecimento forçado do vermelho e da pálpebra e dos dedos que formigavam. talvez seja um processo indescritível de se digitar e dizer mas flui, então estou fluindo dentro de qualquer coisa verde meio sopa de tartaruga ou primordial do assoalho da terra, do ônibus que eu peguei e sonhei também, sonhei com o ônibus e com uma catarata na california, um ônibus saltando numa catarata no topo de um hotel ensolarado esnobe, dentro do ônibus estava ninguém, apenas minha alma e um anjo árabe de cadência musical alcoolizada. desodorante trabalho camisas sociedade e pêndulos de poeira, universos de flora estomacal. papelada, introspecção sopa de tartaruga.

gestos perdidos no vazio absurdo sem luz do meu corpo. todo mundo na verdade é só uma projeção que minha cabeça criou de alguma maneira, o mundo, as luzes, as sombras, sombras sobre sombras também, projeções. cada pessoa é por dentro a própria tartaruga dela mesma, se parar pra se olhar. e assim eu me desconecto do mundo pois a minha tartaruga não tem nada a ver com a tartaruga de ninguém. verde, balançando, escuro, preto, líquido. flutuando e fluindo dentro de mim mesmo eu desligo o plug e qualquer conexão. projeções secas se apagam. nada.

sábado é dia de tartaruga.