Espera

Procurando preencher essa solidão. Anúncio nos classificados, exposição na rádio, folder, panfletos, “procura-se” espalhados por toda a cidade. Assim que você se foi, levou meu ego, meu ser, minha alma contigo. Por que foi tão cruel a ponto de arrancar-me o coração do peito e jogá-lo janela afora em seu adeus? Outro dia já começou, o sol oculto há dias retornou a brilhar, a dor que deixou já foi apagada. Viver outrora faz sentido, ouvir aquela canção de amor já revigora meu ego e me faz respirar.

Em andarilho à era moderna me converti, de rua em rua, estação em estação, tentativas irrefutáveis de alugar um lugar ao lado de uma cama. Procuro um refúgio. Linda morena, cabelos fartos, passou, e saiu da minha vida sem nem ao menos tomar um café à beira da estrada. Menino novo, engomadinho, com riquezas a herdar, bom partido, mas porque passou, sem nem ao menos trocar um mero olhar?

Esta mesa de bar se faz longa e rígida, estou farto dessa sublime espera, resgatei o que faltava, o que faço de errado agora? Terei de enfiar ao pescoço uma frase para alguém me olhar e cuidar de mim?

Regressar para casa sem esperanças, recolher o cachorro, minha companhia que ainda não me abandonou. Estou envelhecendo nessa árdua procura pelo meu ser. Escrever um novo anúncio, distribuir mais panfletos, rotina, rotina, rotina.

Espere, sentado no mesmo lugar de sempre, eis que a avisto, saio aos tropicões, a correr, para ajudá-la a carregar as compras. O sorriso retornou ao seu lugar de origem em meu semblante, a candura do moleque floresceu. Entro em sua casa, deixo as comprar em seu lugar e fico parado à soleira da porta, olhando-a. Despeço-me, retorno ao lar, ex-comungo os anúncios, apago o passado, recomeço minha vida.

Todos os dias eu a espero e me sinto um pouco menos solitário. Em casa agora durmo com satisfação, pois sei, que no próximo dia ela ainda estará, como sempre esteve, nestes últimos vinte anos, a me esperar, para enfim, carregar suas compras e levá-la ao seu lar.