A palavra

Prendam a palavra! Joguem ela no mais fundo e escuro calabouço! Ela é perigosa, daninha, subversiva! Mesmo se desenhando delicada e inocente algumas vezes, é uma ameaça para todos nós!

Toma feições perigosas muitas vezes. Ousa se desenhar no campo como "reforma agrária" e no panfleto do operário como "greve". Uma vez, há muito tempo se escreveu na sua forma mais terrível: "Revolução".

Nos muros de São Paulo, quebrando todas as regras ortográficas e gramaticais, subvertendo a ordem da língua portuguesa, sem til e acento, se pixou assim: “Proletarios de todos os paises, uni-vos”.

Prendam-na! Prendam-na! Prendam-na! É uma ordem. A abusada se transveste em várias línguas, orgulha-se por ser universal, internacionalista! Em letras miúdas ou garrafais, escrita ou falada, é sempre perigosa.

A desgraçada não se contenta em incitar as massas, também se intromete em nossos assuntos. Nomeia nossos atos. Balançando a cabeça envergonhadas, milhões nos denunciam: "Golpe, repressão, corrupção, assassinato, ditadura, exploração!"

Tranquem-na em uma cela e joguem a chave fora. Chega de "luta", chega de "esperança", chega de "alegria", chega de "coração". Bom é o silêncio. Omisso e respeitoso. Que não alerta, que enterra essas idéias perigosas. Prendam! Capturem! Não deixem à solta a Palavra! Ela é comunista!