Outro amor, em outra cama

Reunir pessoas nem sempre significa confraternizar, não é apenas a afetividade, o carinho que reúnem ou entrelaçam pessoas. Não quero falar de quadrilhas, nem quero falar de guerras, mas são mecanismos que também podem agregar.

Um hospital coloca, no mesmo espaço, pacientes, que nunca se viram, lado a lado, o que define a aproximação? "Dores" do mesmo sexo, da mesma idade, ou o mal que os acomete os aproximam?

Uma mulher freqüentava o mesmo quarto daquele hospital, Saint Remi, fazia algum tempo, e aquele quarto abrigava dois jovens, quase que da mesma idade, da mesma cor, talvez com o mesmo credo, e ambos sem esperanças. Um filho dela, o outro um desafortunado ferido pela mesma doença.

Dizem que cada ano de um cachorro equivale a 7 anos de um ser humano; o câncer é menos complacente, um dia de quem porta o câncer, equivale a 10 anos de um ser humano, dados estatísticos não comprovam o alegado, mas a forma com que aqueles jovens se deterioravam, deitados lado a lado em um quarto de hospital, mostrava a voracidade da doença, eles se definhavam, se acabavam.

Pode parecer paradoxal, mas ela insistia em ouvir no quarto – La vie en Rose –como se ali a vida pudesse sugerir rosa, ironia. Ela queria se convencer, porém, em determinados instantes queria botar tudo a perder, que morressem todos, inclusive ela; não queria questionar, cansou de brigar com Deus.

O filho, entorpecido pela morfina nada via, o desespero a sufocava, e conseguiu ouvir a voz do parceiro de infortúnio de seu filho:-Lágrimas aplacam sofrimento?

-Lágrima é um mecanismo natural de revelar o sofrimento de alguém...respondeu ela.

-Eu deixei de chorar, continuou ele; o sofrimento me acompanha há tanto tempo, tenho que o revelar a alguém?

-Quem quer saber se eu sofro? A falta de um futuro não deveria me atormentar? Tenho que passar o hoje chorando, se não terei o amanhã? Quantas fronhas terei de ensopar? E, como um algoz, ele não parava:- Seu filho já não pode ouvir, não permita que eu ouça seu pranto, coloque um sorriso em meu agora...eu não tenho o depois.

La vie em Rose passou a ter um significado ainda maior quando seu filho partiu; ela continuou a freqüentar o mesmo quarto, visitava a cama vizinha, e o amou como se filho seu ele fosse.

Sorria para ele, tomava suas mãos, e enquanto houve vida, viveram felizes pelos anos correspondentes a alguns dias de quem ...

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 15/01/2010
Reeditado em 15/01/2010
Código do texto: T2030385
Classificação de conteúdo: seguro