Aquele que Cura

Aquele que Cura

Diversos membros da imprensa estavam na sala de estar da residência Daquele que Cura até que, finalmente, ele desceu a escadaria de mármore e resolveu atendê-los. Como foi uma algazarra, tomamos a liberdade de, na hora de transcrever, colocar uma ordem fictícia no evento de perguntas e respostas.

- Por que você cura?

- Porque depois, me sinto bem – respondeu Aquele que Cura.

- Como assim, depois?

- Porque antes é um transtorno. Meus poderes são limitados. Não posso curar aqui de casa. Tenho de sair, tomar condução, ônibus, metrô, você já viu como os motoristas dirigem? Daí chego nas enfermarias de hospitais, pronto socorros, clínicas, etc., sempre num mau humor insuportável, e vou de leito em leito, no meio daquela gente toda se lamentando e...oras, olho para o doente e ele fica curado.

- Apenas olhando?

- Apenas... porque não é você que tem de sair nesse calorão – replicou Aquele que Cura.

- O Mestre tocava os doentes...- ruminou um dos membros da imprensa.

- Pela madrugada! – exclamou Aquele que Cura – o Mestre fazia isso por amor. Eu não. Faço para sobreviver.

- Mas, semana passada você disse, em entrevista, que não ganha um tostão curando – contra atacou um dos membros da imprensa.

- Isso mesmo. Nenhum tostão – re-afirmou Aquele que Cura – Acontece que, se não curo, danço. Começo a me sentir mal, sentir mal, e aí quero tomar veneno.

- Cruzes! – exclamou outro membro da imprensa –Não tens medo de morrer?

- Lógico que não. Tenho meus poderes. Mas passo mal pra caramba. E como não quero mais passar mal, então curo. Quando curo me sinto bem. Quando me sinto bem não quero tomar veneno. É simples assim. Já disse uma porção de vezes, mas vocês não escutam.

- E que veneno tomas?

- Tomava. O que tivesse à mão. Formicida. Racumim. Cicuta... – explicou candidamente Aquele que Cura – ultimamente estou bem melhor, tenho curado todos os dias.

- Mesmo de mau humor?

- Qual...nem eu me agüento. É um sacrifício, sabe? Quando eu chego, ninguém bota uma fé. Uma senhora, mês passado, desandou a gritar do leito que eu não podia estar ali, então olhei para ela e, zás...ficou curada. Me liga todos os dias para agradecer e pedir desculpas.

- Desculpas pelo que?

- Ela me ofendeu muito. Coitada. Não sabia que, naquele horário, eu estava num mau humor inimaginável. Tenho meus poderes, sabe? Se perdesse o controle, poderia tê-la transformado num sapo peçonhento monstruoso.

- E por que não o fez?

- Cara, presta atenção! No dia que eu não curo, me sinto mal, muito mal, fico esperando até o dia seguinte para curar algum infeliz, passo uma noite tenebrosa, imagine se fizesse mal para alguém?

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 17/01/2010
Reeditado em 17/01/2013
Código do texto: T2035180
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