AH BAHIA I

Minha primeira viagem a Salvador foi realizada por ônibus em companhia de uma amiga que morre de medo de andar de avião. Compramos poltronas-leitos e o carro era refrigerado. Escolhemos viajar durante a noite para dormir durante o trajeto, assim encurtaríamos a distância e chegaríamos descansadas.

Depois da primeira hora de viagem, depois de conversarmos bastante e de planejarmos a estada em Salvador, resolvemos dormir. Uma criança começou a chorar e sua mãe a cantar. A cantoria desafinada da mãe deixou a criança mais irritada de modo a aumentar o volume da sua choradeira. A mãe, por seu turno aumentou o volume do canto.

Minha amiga se ofereceu para acalmar a criança. Apesar de solteira, sem filhos e sem irmãos tinha tanto jeito para a coisa que o bebê se calou. A mãe se esqueceu do filho a assim viajamos com a criança no colo até a parada seguinte. Devolvemos o bebê à mãe na esperança do bebê seguir viagem em silêncio. Parece que seu anjo da guarda ouviu nossas preces e fez o bebê dormir o resto da viagem, ou pelo menos o manteve caladinho para a alegria geral.

Depois da parada que foi apelidada de parada indigesta minha amiga sentiu-se indisposta e com dor de cabeça e culpou o pastel. Eu bem que avisei para não comer. Na parada seguinte pedimos água quente para desmanchar o saquinho de chá. A cor da água era tão turva que parecia que o chá viera pronto da torneira. Minha amiga pediu uma água tônica que não tinha no bar e acabou tomando mesmo uma coca que estava tão quente quanto um chá. Todavia a beberagem teve o efeito de fazê-la botar para fora o pastel e com isso ela se sentiu melhor, conseguiu dormir e na parada seguinte preferiu permanecer no carro e lhe fiz companhia.

Tentamos dormir um pouco embora a temperatura no interior do ônibus parecesse temperatura siberiana. Não portávamos casacos tampouco agasalho para enfrentar o frio hostil. Enrolamos os pés nos jornais que compramos sem sequer ler as manchetes.

Quase mortas de frio e de sono chegamos ao fim da viagem. Nossa amiga baiana nos esperava. Ela foi nossa companheira de pensionato, e depois de formada em Direito voltou para advogar em Salvador. A hospedagem seria na casa dessa baiana perto da praia da Barra. Maravilha de sol e mar. Nossa amiga baiana morava com a mãe e um irmão. Sua outra irmã morava em outro bairro também junto à praia e mantinha uma casa de veraneio na cidadezinha próxima.

Nosso programa seria praia, praia e mais praia. Não queríamos dar incômodo para a família baiana nem preocupação com comida. Eu disse que passaria a temporada comendo acarajé variando apenas de quituteiras baianas. Minha amiga, por não apreciar acarajé disse que comeria saladas e frutas. Mas a mãe da nossa amiga baiana teimou em preparar os pratos baianos e assim o cardápio do jantar de cada dia era um desfile de comidas baianas com muito azeite de dendê e pimenta.

Minha amiga, que não gostava de acarajé, também desapreciava o dendê e a pimenta e era uma tortura para ela encarar as moquecas, os carurus e os vatapás. Acabou com um desarranjo intestinal dolorido que lhe privou de sol e mar por uns dias. Felizmente foi salva pelo convite da irmã da nossa amiga baiana para uma temporada em sua casa em Lauro de Freitas. Lá ela seguiu uma dieta rigorosa. A casa ficava num lugar magnífico, porém o mar metia medo com suas ondas enormes.

Na casa havia um cachorro fila-brasileiro grandão que ficava preso num canil e também uma cadelinha pincher muito pequena, parecendo mais uma amostra de cão. A cadelinha ficava solta pela casa e seu latido era irritante e ela latia por qualquer motivo, parecia latir até enquanto dormia.

Numa manhã estávamos sentadas na agradável varanda da casa conversando quando o enorme cão surgiu avançando para mim que com o susto nem gritei. Pois o canzarrão se meteu debaixo da poltrona avançando sobre a pequena cadelinha que escapou latindo e ganindo loucamente embora não tenha sido ferida. Eu levei bastante tempo para me refazer do susto e durante alguns dias sentia uma terrível dor nos braços e no peito pelo retesamento dos músculos.

Decidimos voltar a Salvador para a exploração das belezas da cidade, de sua arquitetura colonial, suas igrejas, o mercado, enfim seus pontos turísticos. Uma noite programamos conhecer um terreiro de candomblé, no entanto nossa amiga baiana se recusou a nos acompanhar justificando-se por sua atual religião não permitir.

Consultando um jornal descobrimos um restaurante ou casa de shows cujo programa constava ritmos africanos. Não era candomblé legítimo, porém poderia nos dar uma idéia, foi o que pensamos e saímos para o show. Um espetáculo muito bonito para turistas.

Minha amiga se empolgou tanto com o ritmo e de tal modo dava a impressão que estava em transe, para meu desespero. Felizmente o show terminou e minha amiga recuperou a normalidade. Perguntada sobre o que sentia ao dançar ela respondeu apenas se lembrar da batida dos tambores ou atabaques. - Que viagem! Exclamei. E voltamos caminhando pela areia da praia.