"O CLIPER" Conto de: Flávio Cavalcante

O CLIPER

Conto de:

Flávio Cavalcante

Dia de seleção para novos funcionários da usina açucareira Serra Grande em Alagoas. Também um dia de trabalho normal, a usina funcionando á todo vapor. Caminhões de fornecedores de cana-de-açúcar entrando e saindo. Ano de boa safra para os usineiros.

Numa sala dentro do escritório, acontece a seleção para os novos engenheiros agrônomos que vão fazer parte do quadro de funcionários. Dentre eles o engenheiro recém formado e desempregado Sílvio, que aguardava sentado em uma cadeira desconfortável, há bastante tempo e estava ansioso aguardando a sua vez de ser entrevistado pela direção da empresa. Pela situação de desemprego no estado, a fila naquele horário já se tornara quilométrica e Silvio ouvia pela conversa de seus concorrentes do lado que tinha ali, engenheiros já com uma boa estrada no ramo e pelo jeito dele ser recém formado e sem experiência, as chances dele conseguir aquela vaga seria praticamente a impossibilidade.

Por um momento lhe bateu um desânimo e muita vontade de abandonar o barco, mas quando vinha á sua mente o que ele deixou em casa, a sua filhinha precisando de leite pra sobreviver e sua mulher numa cobrança sem fim, por estar faltando tudo dentro de casa, ele resolveu realmente ficar e tentar, mesmo sabendo que ele seria eliminado logo de cara.

Silvio passou o dia todo no estabelecimento, pois já fazia alguns meses que ele não sabia o que era trabalho devido a situação do Estado que a única fonte de renda se tratava de usinas de açúcar e política. Não é um Estado provido de outras indústrias. Sendo assim, o império dos senhores de engenho e políticos é grandioso e se tornam por serem únicos os todos poderosos.

Sílvio sempre foi humilde e tudo que queria na vida tinha realmente que ralar muito para conseguir. Nada em vida veio fácil. Mas ele sempre foi um jovem de muita responsabilidade e sempre correu muito atrás dos seus objetivos. Nunca foi aquele tipo de pessoa que fica em casa esperando que Deus mande boa chuva e que o sol brilhe em sua vida na hora que ele quiser.

Sua casa é um casebre simples, onde ele paga um aluguel vindo de ajuda de seus familiares e recebe muitos falatórios por isso. Já foi despejado várias vezes de várias casas e nessa última a família resolveu cair de dentro para ajudar e devido a isto, ouve de alguns familiares que estão numa posição melhor o que ninguém gostaria de ouvir.

Muitas vezes passa o dia fora de casa perambulando pela rua na intenção de esfriar a cabeça e traçar uma nova estratégia para se arrumar um trabalho decente para dá a sua família pelo menos uma vida básica, coisa que nem isto ele estava conseguindo.

Finalmente chegou a sua vez de ser entrevistado. Meio nervoso Sílvio entrou no gabinete do diretor da empresa e sentou de frente ao senhor praticamente dono da usina. Cada pergunta que o diretor fazia ele dizia que era desprovido de experiência e o balançar da cabeça do diretor dando sinal de não, deixava aquele pobre rapaz cada vez mais nervoso. O diretor percebera que o rapaz estava com os nervos á flor da pele e pediu a sua secretária que trouxesse a sala um copo d’água e um café com alguns biscoitos, que seria a sua primeira alimentação do dia. Assim que o Sílvio degustou o primeiro biscoito, lembrou de sua filhinha que há bastante tempo cobrava biscoito. Coisa de criança e devido a estas lembranças, Sílvio desabou em lágrimas nos meados de sua entrevista. Pediu desculpas ao diretor e não quis envolver ninguém com seus problemas pessoais.

O diretor lamentou e falou que infelizmente ele não tinha o perfil que a empresa estava precisando, pois, queria engenheiros com já bastante experiência. Sílvio decepcionado, já calmo, agradeceu ao diretor e saiu. Quando foi pegando na maçaneta para abrir a porta, viu um cliper de prender papel no chão. Sílvio inocentemente pegou o cliper, voltou colocou na mesa do diretor, que retrucou de imediato.

“CIDADÃO, VOCÊ PASSOU PELA LIXEIRA E VEIO COLOCAR O CLIPER NA MINHA MESA?”

Sílvio educadamente falou.

“DESCULPA, DOUTOR... MAS É MINHA MANIA FAZER ISTO. EU SEI QUE NA SUA EMPRESA TEM MUITOS DESSES; MAS ÁS VEZES PROCURAMOS UM PARA PRENDER UM PAPEL QUALQUER E NA HORA NÃO ENCONTRAMOS. É MELHOR DEIXÁ-LO GUARDADO DE REPENTE PODE PRECISAR”.

O diretor achou aquela atitude genial. Sorriu para o Silvio e o pediu que sentasse novamente, pediu outro cafezinho e ele ficou sem entender nada.

A PARTIR DE HOJE VOCÊ É O NOSSO NOVO ENGENHEIRO E NÃO IMPORTA SE TEM EXPERIÊNCIA OU NÃO. POR CAUSA DESTE SIMPLES CLIPER VOCÊ DEMONSTROU UM CUIDADO COM O MATERIAL DA EMPRESA QUE MUITO QUE JÁ TEM ESTRADA NEM ATENTOU A ESTE FATO. DEIXE SUA CARTEIRA DO SETOR PESSOAL.

A reação de Sílvio foi desabar em lágrimas e dessa vez de muita felicidade. Sílvio está até os dias de hoje trabalha na usina e é o braço direito de todos os diretores.

- FIM -

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 24/01/2010
Reeditado em 24/01/2010
Código do texto: T2047841
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.