QUERO VINGANÇA

Sou Raimundo, ou melhor, era, ou sou ainda , não sei.

Estou vagando, procurando explicações, procurando por vingança...

Vim com uns vinte e poucos anos para o Rio de Janeiro, de uma cidade chamada Caicó no interior do Rio grande do norte, devia ter feito como dois primos meus, deveria ter ido para São Paulo, mas escolhi a cidade maravilhosa, vim no início da década de 60.

Quando cheguei, trabalhei um ano e meio como ajudante de cozinha em um restaurante no centro da cidade, dormia numa hospedaria para cavalheiros no bairro de fátima, próximo ao meu local de trabalho. Não dava muito dinheiro, mas dava para viver e mandar uma pratinha para mãe.

Um conterrâneo meu, que conheci na hospedaria, perguntou se sabia alguma coisa de obra, que na zona sul do Rio estavam levantando vários prédios e dava para ganhar melhor e ofereciam moradia. Era uma boa idéia, poderia juntar um pouco e mandar mais para mãe na minha cidadezinha. Não pensei duas vezes.

Na minha cidade, já tiversa trabalhado com obra, nunca, obviamente, ergui nenhum prédio, mas tinha um pouco de intimidade com argamassa, cal, areia,etc.

Comecei logo, eles precisavam de gente raçuda. Trabalhavamos em turnos de 12,13 as vezes até 14 horas seguidas. Havia realmente um alojamento, não era dos melhores, mas havia respeito, todos nós eramos nordestinos, ficava fácil. As coisas eram resolvidas rapidamente, um troco, uma camisa, um sabão que sumia, de forma ligeira era resolvida.

Após uns sete meses de trabalho árduo, aconteceu. cai de uma altura de uns 12 metros, tenho certeza de que caí vivo aindo, tentava gritar, berrava como um bezero sendo estripado e não me ouviam, o capataz mandou levar meu corpo para atrás da obra e disse que discutiria o que seria feito com o patrão.O patrão chegou no início da noite e me lembro quando perguntou em voz alta se eu era parente de alguém, se eu tinha algum amigo ali, quando todos responderam negativamente, senti como se estivesse caindo novamente... gente de merda... me deixaram morrer como um bode de feira, queria acabar com a raça deles, de todos, sentia muito ódio, ainda sinto.

Quando a noite caiu, me enterraram em um dos vãos de bloco. Fui tratado como um dejeto.

Acordei um tempo depois, de um sono doloroso, acordei com muitas dores. Quero vingança.

O prédio estava finalizado, as primeiras famílias de bacanas estão morando já. Pelo que ouvi, fica num bairro chamado jardim botânico.

Quero procurar quem me renegou, quero acertar as contas com todos, principalmente com o Zelito, meu amigo da hospedaria que me trouxe para a obra, foi o primeiro a me renegar. Não avisaram nem mãe. Ela não sabe até hoje, deve ter morrido já sem saber de seu filho, quero vingança, porra!

Dou algumas voltas pelo entorno do prédio, mas não consigo ir para muito longe, me sinto preso como numa jaula, não consigo ir longe, uma senhora e um garotinho já me viram, tenho certeza, já gritei com eles, eles me olharam, me escutaram, começaram a rezar, NÃO QUERO QUE REZEM, quero que me ajudem a achar quem me prejudicou, quero vingança!

Quero vingança...

(TEXTO PSICOGRAFADO)

Notas do escritor:

1. Tentei adaptar da melhor forma possível a linguagem, para não fugir da narrativa nem soar falso.

2. Favor dirigir uma prece ao irmão desencarnado pedindo luz.