O HOMEM SEM CORAÇÃO - Capítulo XV

Este é o homem do qual esta cidade precisa

O incipiente administrador chegou com vontade de mostrar serviço na Prefeitura de São Paulo. Todos os dias, Alberto chegava ao trabalho por volta das sete horas da manhã e, quase sempre, dali só arredava o pé depois das vinte e duas horas. Era um prefeito dinâmico, exigente, ríspido e rígido, daqueles que a cidade há muito tempo não via. O homem ‘não dava boi pra ninguém’, diziam os funcionários pelos corredores da Prefeitura. Até os guardas da portaria o haviam apelidado com a alcunha de ‘perigoso’, eram comuns estas frases criadas por eles: “O ‘perigoso’ já chegou?” ou “O ‘perigoso’ saiu?”. Todo esse temor se devia ao tratamento que Alberto dispensava aos seus subordinados e funcionários, o prefeito não era nada amistoso, por vezes se tornava um verdadeiro verdugo na frente de qualquer serventia que, segundo ele, merecia uma punição exemplar. O funcionário não escapava de receber a tortura moral e psicológica onde estivesse, “se na frente dos outros colegas de trabalho, melhor ainda” –– pensava Alberto ¬–– “aí todo mundo fica esperto comigo”. Muitos eram os demitidos pelo prefeito sem que houvesse motivos ou razões plausíveis. Todos estes atos do prefeito restringiam-se aos seus domínios administrativos internos, Alberto parecia sentir satisfação em humilhar e castigar as pessoas que dele estavam próximas e que dele dependiam. Mas, nas ruas Alberto era a cada dia que se passava mais querido pela população. O prefeito havia aprendido a controlar todos os seus impulsos e instintos de maldade quando lhe convinha. Para o povo, como dizia o ‘slogan’ criado por Chiquinho Sollo, Alberto era o prefeito do qual a cidade precisava. Eram frequentes as visitas surpresas do prefeito aos locais de atendimento ao público, administrados pela Prefeitura, muito mais por gosto e diversão que por trabalho, o homem sem coração adorava ver diretores, chefes, dirigentes, funcionários e subordinados implorarem por seus empregos aos seus pés. Tudo era motivo para que o prefeito esculhambasse com qualquer um a sua frente. Alberto ia conversar com o povo nos terminais de ônibus, nas escolas, nas ruas, nos hospitais, sempre acompanhado por jornalistas, fotógrafos e demais profissionais da imprensa escrita e falada, Alberto havia aprendido com Mário a tirar proveito da imprensa que, por sua vez, tirava proveito de Alberto também, as notícias do prefeito significavam vendas acima da média e lucro garantido. Ultimamente, um fato recente vinha aumentando absurdamente a sua popularidade. Fora uma visita surpresa do prefeito ao Hospital Municipal do Tatuapé. Chegando ao local da inspeção, um idoso que ali se encontrava, à espera de atendimento havia mais de duas, aproveitou-se da visita do prefeito para reclamar da interminável espera e da falta de cuidados, segundo ele, dos médicos, atendentes e enfermeiros para com um idoso doente:

–– Doutor Alberto? Doutor Alberto?

–– Pode falar, cidadão. Eu o estou ouvindo. –– disse solícito o prefeito.

–– Estou vindo de longe, venho de Guaianazes, para fazer tratamento neste hospital dia sim, dia não e, quase sempre, fico por mais de quatro horas esperando que o médico me atenda e ninguém aqui me dá nenhuma explicação. Este hospital está largado, doutor. A administração está uma porcaria. Gostaria que o senhor tomasse uma atitude, por favor.

Era a brecha que o prefeito esperava. Alberto ouvindo esse breve relato, já na presença de vários jornalistas, que chegaram rapidamente assim que souberam que o prefeito havia se dirigido àquele hospital, diante das câmeras e máquinas fotográfica em atividade, virou uma fera:

–– Chamem imediatamente o médico-diretor responsável por este hospital, se é que podemos chamar uma espelunca desta de hospital! Vamos rápido que eu não tenho tempo a perder! Rápido! Rápido! –– os berros do prefeito ecoavam pelos corredores do hospital.

O doutor Jaime Firelli, mais conhecido como dr. Firelli, desceu dos andares superiores do prédio às pressas para atender ao prefeito. O respeitado médico ao encontrar-se com o prefeito, gentilmente se apresentou:

–– Muito prazer, senhor prefeito! Doutor Firelli ao seu dispor. Em que posso ajudá-lo? –– estendeu a mão para Alberto, sem ser correspondido.

–– Em primeiro lugar, eu não vou pegar na sua mão porque acabei de espirrar com o cheiro ruim que vem dos corredores deste hospital que o senhor administra! –– mentiu o prefeito, os corredores estavam brilhando de tão limpos. — Entretanto, quero alertá-lo de que recebo aproximadamente mais de vinte reclamações por dia deste hospital e da vossa administração, e chegando aqui, para averiguação ‘in loco’ das reclamações pertinentes, recebo mais reclamações da população. O que está acontecendo, o senhor pode me explicar?

O médico sentindo-se incomodado na presença de tantos jornalistas, o saguão do hospital estava cheio, disse ao prefeito:

–– Poderíamos conversar mais à vontade na minha sala, por gentileza, senhor prefeito?

–– Por quê? Há algo que deva ser ocultado da população desta cidade, doutor?

–– Não. Não é isso. É que lá...

–– Por favor, doutor! Não me faça perder mais tempo! Eu exijo uma explicação plausível de sua parte! É preciso que o senhor me informe do que está acontecendo aqui!

O médico já tenso e não podendo escapar do constrangimento, dirigiu-se ao prefeito irritado, optando pela verdade dos fatos:

–– Prefeito, o senhor já viu a quantidade de memorandos que este hospital envia para a administração pública do vosso governo solicitando mais médicos, atendentes e enfermeiros, fora materiais médicos imprescindíveis: seringas, luvas, remédios, conserto de maquinário e tantas outras coisas, sem que a Prefeitura nos atenda?

O prefeito também se irritou com a petulância daquele médico que lhe dirigia a palavra e entendeu aquele comportamento como uma afronta:

–– O senhor ainda quer medir forças comigo, doutor? Eu vou lhe responder com outra pergunta, mas dispenso a resposta, por que só recebo reclamações deste hospital e de outros não? –– mentiu descaradamente o prefeito.

–– Eu acho que...

–– O senhor não acha nada, doutor! Quem acha alguma coisa aqui sou eu e a população!

–– Prefeito, ponho o meu cargo à disposição.

–– O seu cargo já se encontrava à disposição antes que eu me dirigisse para cá, doutor! –– ironizou o prefeito. –– É que eu queria conhecê-lo pessoalmente! O senhor está a partir de agora suspenso de suas atividades por tempo indeterminado, outro médico ocupará o cargo e veremos o resultado. O meu tempo por aqui acabou e o seu também! Será instaurada uma sindicância para apurar suas responsabilidades, doutor ‘Pirelli’! –– Alberto errou o nome do médico por querer e arrematou:

–– Eu quero que algum valoroso médico atenda este senhor que está aqui a meu lado, esperando mais de cinco horas por atendimento! Vamos, i-m-e-d-i-a-t-a-m-e-n-t-e, entenderam?

Um médico, que acompanhava o desenrolar da visita do prefeito ao hospital, chamou o cidadão à sua sala. O paciente idoso não tinha palavras para agradecer ao prefeito pelo gesto de carinho para com ele e a sofrida população de São Paulo. O prefeito estendeu a mão ao cidadão que retribuiu com um abraço, enquanto Alberto pensava: “Velho idiota! Espere que o seu dia chegará! O seu e o de toda essa população cretina! Deus, como esse povo é besta!”.

No dia seguinte os jornais estampavam nas primeiras páginas muitas notícias que divulgavam a administração dinâmica do prefeito:

“Prefeito Alberto faz visita no estilo Jânio Quadros em hospital público e afasta médico-diretor.”

“Prefeito de São Paulo exige atendimento decente em Hospital do Tatuapé.”

“Prefeito Alberto Monteiro afasta diretor-médico do Hospital Municipal do Tatuapé.”

As visitas e frequentes afastamentos de funcionários considerados incompetentes pelo prefeito não pararam por aí. Alberto afastou fiscais da prefeitura que atuavam nos terminais de ônibus e nas ruas, afastou diretores de escolas municipais, demitiu garis, professores, policiais, enfim, mexeu com toda a rotina administrativa da cidade, não com a intenção de colocar a casa em ordem, mas sim de buscar uma popularidade cada vez mais sólida, e os resultados nesse sentido eram cada vez mais evidentes.

Chegando-se ao final do primeiro ano da administração do prefeito Alberto Monteiro, o PSE ,em reunião nacional, decidiu-se pelo nome do prefeito de São Paulo como candidato do partido ao governo do Estado já nas eleições de 2010. O motivo: Alberto Monteiro aparecia em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para o cargo de governador do Estado de São Paulo. Os eleitores da capital e do interior queriam-no como governador do Estado e o PSE não poderia de forma alguma deixar escapar esta oportunidade.

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Vicente Miranda
Enviado por Vicente Miranda em 31/01/2010
Código do texto: T2062041
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