Buscando o amanhã VI - capítulo V

CAPÍTULO V:

O filho mais velho do conde mostrou-se surpreso pela habilidade da moça. De fato, nunca havia encontrado uma moça tão corajosa a ponto de viver sozinha pelas estradas da vida e contando e declamando poesia. E isso o fascinou profundamente.

-De fato a senhora tem dons artísticos. – Disse ele. – Meu pai e senhor, permita que eu sugira que esta senhora aqui fique até a recepção ao Marquês de Ramos.

-Seria de fato, uma honra tê-la conosco senhora. – Disse o conde. – Se aceitares ficar.

Lore pensou por alguns instantes.

-Aceito sua proposta. – Disse ela.

-Perfeito! – Disse o conde. – Minha esposa lhe mostrará seus aposentos, então.

Lore apenas concordou com a cabeça. Logo depois estava seguindo a condessa através dos corredores de pedra.

-Senhora Lindberg, devo dizer-te que não és estranha para mim... Tens feições que se parecem muito com a pobre Duquesa de Áquila. – Disse A condessa enquanto caminhavam. – Já ouviste falar nela?

-Devo dizer que sim, senhora. Ouvi rumores da trágica história da senhora de Áquila. – Disse Lore.

A condessa não disse nada mais até que chegaram ao quarto que mandara preparar.

-São acomodações modestas. – Disse a condessa.

-Serviram mais do que bem, senhora. – Disse Lore.

A condessa retirou-se, deixando sozinha em seus aposentos.

Lore encarou o espelho por um momento. O que ela fazia ali, afinal? Estava louca, tinha certeza. Respirou fundo por alguns momentos, e então se sentou na borda do colchão.

Depois de alguns minutos, achou melhor do quarto, caminhar um pouco para espairecer. Nunca gostara de ficar trancafiada entre quatro paredes para pensar, e naquele momento, sua cabeça formulava uma dezena de perguntas que precisavam de um bom tempo para receber uma resposta.

Saiu do quarto e seguiu pelo corredor, desceu as longas escadarias de pedra e seguiu até o jardim. Havia uma grande movimentação de servos àquela hora.

Resolveu ir até o estábulo, ver como andava seu cavalo. Tinha muito apreço pelo animal, seu único companheiro, sempre fiel.

Encontrou-o já em uma baia, sem a sela, enquanto comia uma cenoura com satisfação. Passou a palma da mão pelo dorso luzidio do animal de forma carinhosa.

-Então eles estão mimando você, garoto? – Perguntou brincalhona para o animal.

O cavalo terminou de engolir a cenoura e relinchou satisfeito.

-Vejo que a senhora tem grande amizade por seu cavalo. – Ela ouviu uma voz dizer.

-De fato, Azevinho é meu melhor amigo. – Disse ela. – Diferentemente de nós seres humanos, os cavalos não têm interesses financeiros ou a despeito de bens e títulos. Só importam-se com o que lhes é necessário a vida. Admiro essa singela vida dos animais por tal.

-Um pensamento lógico. – Disse ele, aproximando-se. – Creio que ainda nem fomos corretamente apresentados. Chamo-me Willian.

-Encantada em conhecê-lo, senhor Willian. – Disse ela.

-A senhora tem os modos de uma nobre. Entretanto, veste-se como um viajante qualquer e vive precariamente. Se não for um atrevimento, posso perguntar-te se acaso és filha de algum senhor que perdeu suas terras?

-Não é um atrevimento. – Disse ela. – Mas não. Não sou filha de nenhum senhor. Apenas sou muito observadora. Sempre observei bem as damas da corte onde nasci. E com tal observação aprendi os modos úteis a uma donzela de classe.

-Tenho a estranha impressão de já tê-la visto antes... Seu rosto me é vagamente familiar. – Disse ele.

-E a segunda vez que ouço isso hoje. – Disse ela. – Mas não creio te-lo encontrado antes, caro senhor. Sou do norte Das inóspitas terras da Germânia.

-Talvez, então, apenas tenha visto uma senhora semelhante a ti. – Disse ele.

-E o senhor, de onde é? – Ela perguntou, tentando distraí-lo para que ele não a reconhecesse.

-Sou sobrinho do conde. Meu pai era vassalo do Duque de Áquila, e está na guerra com seu senhor. Ou pelo menos é o que eu espero. Alguns dizem que já estão mortos há muito tempo, mas eu ainda acredito que isso não seja verdade. – Disse ele. – Vim parar nas terras de meu tio para a minha educação, já que meu irmão mais velho é que herdará as terras de meu pai.

-E escolheu tornar-se cavaleiro. – Ela disse.

-Sim. – Disse ele. – Embora eu preferisse já estar na guerra que permanecer aqui.

-A guerra às vezes é tão... Cruel. – Disse ela.

-Talvez. – Disse ele. – Mas não há grande diferença. Para falar a verdade, sinto-me pouco a vontade com meu tio, quando ele caça problemas para mim.

-Que quer dizer com isso? – Perguntou ela.

-Nada, apenas falei demais. – Disse ele meneando a cabeça. – Lamento, mas devo seguir com meu primo. Ele deseja visitar A marquesa ainda hoje.

Ela fez um educado meneio de cabeça afirmando e observou-o se retirar, puxando dois cavalos pelas rédeas.

Passou algum tempo mais no estábulo, e então achou melhor seguir para o castelo.

Preferiu fazer as refeições com os criados, e pareceu-lhe que a condessa aprovou sua decisão. Não foi exatamente por ela que Lore escapou de ser convidada à mesa dos nobres, mas por Felipe, filho mais velho do conde, que a olhava como se quisesse devora-la.

Em seguida, achou que deveria voltar para seu quarto. Em seu caminho, passou pelo corredor, e pelo gabinete do conde. A porta entreaberta deixava passar as vozes do conde e de Felipe.

-Acha mesmo que William pode estragar seus planos? – Ouviu a voz de Felipe perguntar titubeante.

-Talvez. – Disse o conde. – Se ele continuar querendo ser o bom moço, como sempre foi, e como o irmão de sua mãe sempre foi, ele irá procurar seu pai e o Duque e saberá que estão mortos. E aí vem ela... A menina. A filha do Duque. Se ela de fato estiver viva, será a grande ameaça.

-Mas, meu pai e senhor, não entendo. – Disse Felipe. – Sendo ela uma donzela, não poderia herdar o título e tampouco as terras.

-Justamente por isso devemos nos livrar de teu primo. – Disse o conde. – Como ele é o filho mais moço, e o Duque e o teu tio eram aliados, a filha do duque foi prometida em casamento a teu primo.

-E ele sabe sobre isso? – Perguntou Felipe.

-Sim. – Disse o conde. – Mas não creio que ele se importe com isso. Pelo menos não nesse momento. Mas se a menina estiver viva, o que seria difícil, ele teria chances de conseguir as terras e o título do duque.

Felipe nada disse e o conde continuou.

-Por outro lado, se eu permitir que ele se vá para a guerra. Provavelmente morrerá lá, ou então irá demorar anos para retornar. – Disse o conde.

Lore achou que já havia escutado o suficiente. Continuou seu caminho, pensando a respeito de tudo o que ouvira. Agora tudo fazia sentido. Tudo.