A História das Luzes

A história das Luzes

Das Janelas e portas das pequeninas casas, podiam-se ver as duas montanhas cobertas pelo verde. Banhadas pela luz do sol, o espetáculo era observado pelos moradores que se postavam todos os dias para observar não só as montanhas, mas um outro fenômeno.

Todas as manhãs, no momento em que os raios de sol tocavam as duas montanhas moldadas uma ao lado da outra, todos os sons eram magicamente silenciados e uma quietude prazerosa era instaurada. Após o silêncio, bem ao longe das montanhas podiam-se ver vários pontos dourados se movimentando pelo ar, pontos de luz. Estes vinham em direção à cidadezinha em uma dança moldada pelo vento, carregados graciosamente em uma junção perfeita, espalhando luz e mágica em todos os lugares.

Após invadir cada cantinho da cidade, o vento e os pontos luminosos unidos varriam o céu desenhando formas de pássaros, flores, animais como se fosse uma brincadeira feita por dois seres. Até que de forma inesperada seguiam seu caminho em direção oposta às montanhas e a platéia cheia de felicidade e esperança voltava às suas atividades rotineiras.

Ninguém daquele lugar podia explicar o fenômeno, alguns tentavam dar explicações científicas, religiosas e outros simplesmente não queriam explicação, pois acreditavam que para coisas boas e belas não existiam algo lógico, como no amor. Porém, uma única pessoa sabia a verdadeira história. Este tinha quase 90 anos, cabelos brancos como a neve, mais lúcido que muitos jovens. Todos os dias ele se sentava em frente sua casinha de madeira envernizada e observava as teorias e discussões de jovens e velhos tentando decifrar a mágica do vento e das luzes. Muitos já haviam tentado arrancar-lhe a verdade, mas ele firme dizia que ainda não era tempo.

Até que um dia, sorrindo para si decidiu contar a todos a história mais bela daquele lugar. Mansamente levantou de sua cadeira e apoiado em sua bengala dirigiu-se a praça da cidadezinha, ainda era de manhã e um ar fresco soprava balançando seus cabelos grisalhos. No centro da praça existia uma estátua em forma de um trono real esculpida em mármore, detalhes e símbolos antigos eram talhados, e em volta desta havia um chafariz sem água. Com grande dificuldade, o ancião atravessou o chafariz subiu as escadinhas e postou-se de costas para o trono. As pessoas mais próximas ainda absortas em suas teorias notaram o ocorrido, e aos poucos chamaram outros e assim por diante até que a praça estava cheia. Todos curiosos para ver o que o ancião iria falar. Quando o senhor levantou sua voz as pessoas ficaram espantadas com o grave som, sua força e autoridade, e respeitosamente postaram-se a escutar.

- Jovens, velhos, meninos e meninas. É chegado o momento de lhes contar a verdadeira história das luzes e do vento. Peço que as pessoas movidas pela lógica, pela religiosidade e os incrédulos escutem atentamente até o fim e depois tirem a conclusão que quiserem. Os fatos que relatarei a seguir são verdadeiros, e diante de vocês está uma testemunha ocular.

Todos olharam entre si, mas não disseram uma só palavra. O senhor por fim sentou-se no trono e suspirando profundamente iniciou sua história.

- Há muito tempo atrás nessa mesma cidadezinha existiu um rapaz muito valente admirado por todos principalmente pelo bom coração e coragem. Este, como qualquer outro jovem, ansiava por aventuras e desejava provar a si mesmo sua valentia. Éramos os melhores companheiros, e juntos buscamos muitas aventuras entre aquelas duas montanhas. Constantemente precisava lembrá-lo que tinha pai, mãe e irmãos, e que sua família ficaria terrivelmente arrasada se suas buscas por aventuras acabassem em tragédia.

O velho deu uma risadinha com os olhos fechados, saboreando em sua mente as imagens de seu passado jovem.

- Em uma de nossas buscas descobrimos que entre as montanhas viviam nativos e que estes sempre migravam, pois eram perseguidos por uma fera que os atacavam destruindo suas plantações, animais e levando entes queridos. Meu grande amigo ouvindo as lamentações comoveu-se, mas só decidiu caçar a fera ao ver as lágrimas de uma bela jovem pelo qual se apaixonou no momento em que a viu. Seus longos cabelos negros e suas belas feições nativas o fizeram desejar dar esperanças para aquele povo. E então partimos em meio às desconhecidas terras em busca da criatura cruel.

- Andamos durante dois dias rastreando, procurando vestígios até que ficamos frente a frente com a fera. Unindo forças lutamos por horas, até que exaustos, meu jovem amigo atingiu a criatura com uma lança, tombando o animal. Foi a maior vitória de sua vida, nossas vidas e da aldeia. Ansioso para dar a boa notícia a sua amada, nos apressamos e com ferimentos e exaustão foi recebido pela bela jovem, que cuidando de seus machucados, prometeu ser-lhe grata e jurou amor eterno. Nosso jovem valente então decidiu ficar entre as montanhas com a amada, já havia lutado o suficiente e dedicaria sua vida a jovem, tentaria suprir a falta dos entes amados que a criatura tirara, cuidaria dela como nenhum outro homem cuidou de alguém.

O dono dos cabelos brancos abriu seus olhos e observou as pessoas que haviam duplicado, todos muito atenciosos esperando o momento em que o grande segredo seria revelado. Ele então continuou sua história.

- Eu também decidi passar algum tempo naquelas terras, havia tanto a conhecer. Foi a época em que mais ensinei e aprendi. Aquele povo tinha tanta alegria, e não se davam nunca por vencido superando todas as dores do passado. Observei de perto o casal, cada dia que passava o amor aumentava, nunca vi algo parecido até os dias de hoje. Meses haviam se passado, até que em uma manhã com raios dourados de sol a jovem nativa junto de suas companheiras partiram para cuidar das plantações. E esse é o momento mais triste da história.

O ancião enxugou uma lágrima, e com bravura continuou sua história.

- A jovem nunca voltou para casa, somente uma das muitas retorna ao fim da tarde para anunciar o ocorrido. Abalada consegue pronunciar em um sussurro: a fera havia retornado. Meu companheiro muito abatido parte em busca da moça, sentindo-se culpado pelo engano de achar que havia acabado com o monstro da primeira vez. Eu nunca o havia visto tão amargurado, vagamos por dias atrás do corpo da jovem donzela, mas nenhum sinal nem mesmo da fera. O valente queria vingança a todo custo, dizia que era a única coisa que podia oferecer ao seu grande amor. E então aos poucos percebi sinais de que não estava mais lúcido. Ele nos guiava pelos mesmos caminhos, andávamos em círculos e dizia que o vento sussurrava em seu ouvido por onde deveria ir. Decidi então que era hora de retornarmos, e buscarmos o monstro em um outro momento, mas ele continuava firme, e mesmo em sua fraqueza dizia que estava sendo guiado pelo vento.

- Ao ouvir tal declaração tentei a todo custo arrastá-lo, mas mesmo estando fraco o rapaz era mais forte que eu. Não podia abandoná-lo em sua busca já perdida, seria entregá-lo à morte. Porém, durante nossas caminhadas presenciei fatos inacreditáveis. Não tínhamos mais água, estávamos desidratados. Usei esse argumento para convencê-lo a voltar pois, dali para frente não haveria mais condições de avançarmos. Mas ele dizia que o vento indicaria o caminho das águas, e então resolvi seguí-lo. Maravilhado ouvi aos poucos o som de um rio, até chegarmos à beira de um pequeno riacho e saciarmos nossa sede.

Exaustos precisávamos de um lugar para descansar, e guiado pelos ventos chegamos a uma gruta segura onde descansamos e pude ouvir mais do que se passava com ele.

O velho observou as pessoas novamente, e viu muitos com expressões de tristeza, outros confiantes. Um jovem rapaz próximo ao chafariz acenou com a cabeça incentivando-o a continuar a história. Já não estava mais de manhã, e o sol começava a deixar suas marcas de suor nos ouvintes, porém, nenhum deles pareciam querer mover sequer um músculo daquele lugar.

- Se chovia, as gotas eram arrastadas para longe de nós. Nas noites frias, uma brisa morna nos aquecia. Meu companheiro parecia ter recuperado as forças e afirmava que podia sentir o cheiro suave de sua amada, dizia que ouvia a voz da jovem em meio ao vento e que esta sussurrava que estávamos perto da fera. Andamos por dias naquelas montanhas, até que os vestígios da fera foram aparecendo. Por fim, encontramos manchas de sangue nas árvores e pegadas próximas. Percebemos que estávamos muito perto. Ele então colocando um dedo em seus lábios me pede silêncio, vagarosamente caminhamos em direção a um emaranhado de troncos. E entre as frestas vislumbramos a tão procurada fera.

Nesse momento uma grande tensão pairou entre os ouvintes, e todos ansiaram por saber o que aconteceria. Todos temiam a fera, e queriam que ela fosse destruída.

- O momento parecia perfeito, pois o monstro deitado dormia. Tentamos rever então o último confronto, o que poderia ter saído de errado para que o mal tivesse sobrevivido? O ferimento tinha sido profundo e o inimigo havia sido tombado. A menos que o monstro fosse muito astuto e tivesse nos manipulado, nos enganando fingindo a própria morte. Então ela poderia naquele momento não estar descansando. E foi nesse breve momento que por segundos olhamos e o local onde a besta dormia estava vazio.

-Fui atingido e jogado para longe. Fraco no chão não conseguia me levantar, mas vi toda a luta. Nosso guerreiro era veloz, ágil. Desferia golpes com sua forte lança e aos poucos ia cansando a fera. Porém, já havia sido ferido e as caminhadas e o cansaço do longo período de busca finalmente começaram a abatê-lo. Foi em um momento de distração que sua arma foi lançada para longe, e ele caiu no chão indefeso e fraco. A única coisa que eu pude ver em seus olhos não era medo da criatura, mas a falta que sentia de sua amada, de seus longos cabelos, de seu sorriso e de seus braços. E foi nesse momento que algo surpreendente aconteceu. Um forte vento bateu diretamente nos troncos das árvores já sem vida quebrados ao chão carregando-os diretamente na fera, a derrubando.

- Nesse tempo consegui me levantar e em ir busca da arma perdida, e as cenas finais desse confronto passam em apenas segundos. Encontrei a lança, vi que o rapaz já estava de pé, a joguei em suas mãos no momento em que a fera se levantava e se direcionava à ele que rapidamente postou a arma firme em suas mãos e quando o monstro saltou, nosso herói conseguiu transpassar sua arma abatendo o animal que caiu sem vida no chão.

As pessoas ouvindo atônitas a narração do ancião soltaram exclamações de alívio, outras levantaram as mãos em comemoração e até aplaudiram.

- Nos certificamos de que a fera fora realmente destruída, e então a queimamos. Nos aprontamos para ir para casa e contar que o pesadelo havia acabado, mas ao olhar sua expressão não havia alegria alguma. Pois ele sabia que ao retornar, sua bela jovem não esperaria por ele. E foi com grande tristeza que o vi chamar seu nome. Nesse momento as folhas das árvores se balançaram, os cabelos do jovem rapaz a minha frente vibraram. Ele amargurado fechou seus olhos e suplicou que ela o levasse com ele, que não o separasse de seu amor. E então, caminhando lentamente foi em direção ao topo da montanha.

- Pediu que eu o acompanhasse, e como seu fiel companheiro, o fiz. Chegamos ao topo e vislumbramos a vista para esta cidadezinha aqui tão pequena. O jovem me sorriu, se aproximou e me abraçou em sinal de despedida. Agradeceu por eu ser seu irmão, e afirmou que sempre estaria comigo. A princípio não entendi o que ele iria fazer. Jogaria-se das montanhas? Eu jamais permitiria isso.

- E então seu corpo todo começou a piscar em milhões de luzes e uma brisa fraca o envolveu até que, um vento morno com aromas já conhecidos o envolveu e seu corpo por inteiro brilhou. A luz era tão forte que cobri meus olhos. De repente não ouvi mais nada. Silêncio. Quando olhei novamente para onde estava o valente rapaz não havia ninguém. Procurei ao redor deixando o céu por último. Mas no entanto, encontrei no céu pontos brilhantes flutuantes. Envoltos em junção perfeita dançando com o vento em ondas, elipses e diversas formas eram projetadas. Aos poucos sumiram no horizonte, e daquele dia em diante todas as manhãs e tardes eu os vejo se amando em explosões de luzes, assim como todos vocês.

O senhor de cabeça branca derrama lágrimas de emoção, e a platéia na praça o acompanha com um choro não de tristeza, mas de alegria. Não havia um que não tivesse se emocionado, até mesmos os lógicos e matemáticos. Nesse momento instintivamente todos olharam para o céu e em seguida para o lado oposto das montanhas onde o sol se punha. Ao longe se podiam ver os pontos brilhantes brincando com o vento retornando para a casa. Pairaram sobre a praça e foram em direção as montanhas. Todos acompanharam mudando seu ponto de visão e também fitaram os dois grandes montes.

O Senhor se levanta do trono de mármore e olha para o foco principal da cidade. Junto com o sol que se põe, luzes desaparecem no horizonte. O ancião senta-se novamente e fecha seus olhos, satisfeito consigo mesmo por ter contado a todos o segredo, e então dorme.

Ao fim do espetáculo chega a noite, e todos se voltam para escultura de mármore para agradecer ao velho pela história tão bela, mas ao procurarem o homem não o encontram, o trono está vazio. Todos começam a procurar ao redor, porém não há vestígios. Contudo, é com surpresa que se dão conta que o chafariz não está mais seco. Do interior da fonte jorra novas águas.

Juliana Letícia
Enviado por Juliana Letícia em 09/02/2010
Reeditado em 11/02/2010
Código do texto: T2077337
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