A Babá Eletrônica

Domingo, aos primeiros minutos crepusculares, Donizeth e Maria Cecília acompanharam o amigo Jerônimo até a saída do prédio onde moravam. Jerônimo era um amigo de longa data, quase um irmão para Donizeth, veio conhecer Aquiles, filho do casal, de pouco mais de um mês de vida. Presenteou-lhes com uma babá eletrônica. Despediram-se. O casal voltou para o seu ninho; um espaçoso apartamento de três quartos, sendo uma suíte, e sala de dois ambientes, no segundo andar de um prédio de dez andares, no centro da cidade. Enquanto Aquiles dormia, Donizeth e Maria Cecília, curiosos, abriram o presente. Eram duas caixinhas de som brancas com um fio saindo de trás de cada uma, para se ligar na tomada. Donizeth começou a ler o manual de instruções enquanto Maria só observava, pois ela não entendia nada “dessas modernidades” - ela não tinha telefone celular porque não sabia usa-lo e muito menos ligar um computador. Conforme o manual, Donizeth instalou uma das caixas no quarto do bebê próxima ao berço e a outra caixa, ele ligou no seu quarto, ao lado da cama. Testou-a. Então explicou-lhe que qualquer barulho que o bebê fizesse ,eles escutariam no quarto; Maria já poderia deixar de dormir no quarto do bebê e voltar a dormir no seu quarto.

Às 22 horas, Maria amamentou Aquiles, deitou-o no berço, disse algumas palavras carinhosas e foi se deitar. Donizeth ainda ficou assistindo televisão. Algum tempo depois a babá eletrônica fez um brulho, como um chiado de um rádio, e em seguida o choro do bebê foi emitido pela caixinha de som. Maria levantou-se num pulo e correu para o quarto de Aquiles. Ele estava aos berros: era cólica. A mãe o acalentou, fez massagem em sua barriguinha e em seguida ele adormeceu. Ela voltou para a cama. Passados alguns minutos, outro choro, agora mais estridente, e novamente foi emitido pela babá eletrônica. Maria Cecília saltou da cama, foi até o berço do Aquiles e para sua surpresa, ele estava dormindo num sono tranquilo, mas ela ainda escutava o choro vindo da babá eletrônica. Maria foi até a sala, esbaforida, chamar seu marido, que estava cochilando; Donizeth levantou-se assustado com o pânico de Maria. Ela contou-lhe o que acontecera e ele, muito cético, não acreditou no que ela disse.

“Você teve um pesadelo, Maria. Vamos para cama, eu também vou dormir agora”.

“Eu juro – disse Maria – a babá eletrônica estava chorando e o Aquiles dormindo que nem um anjo”.

“Quem sabe não é uma assombração” – disse Donizeth com ironia.

“Não diga essas coisas, Donizeth, você sabe que eu morro de medo disso”.

“Eu estava brincando, vamos dormir”.

Deitaram-se.

Maria não conseguia dormir, enquanto Donizeth dormia profundamente. Ela não tirava os olhos da babá eletrônica. Ouviu um som de bebê: “dada angu didi gugu dada eee”. Ela se levantou assustada e foi para o quarto do bebê, no caminho pensou: “o Aquiles ainda não faz esses barulhos”. Debruçou-se sobre o berço e viu que a criança continuava dormindo. O medo instalou-se em sua mente, Maria sentiu que alguém a observava; um calafrio percorreu sua espinha dorsal, virou-se rapidamente para a porta do quarto, pois teve a impressão de que algo saíra do quarto para o corredor. Olhou de um lado para outro, pensou ter visto uma sombra entrando na cozinha. Sussurrou:“Donizeth, é você; não brinca comigo, eu estou com medo”, ouviu como resposta apenas o ronco do marido. Desligou a babá eletrônica e foi para o quarto do casal. Antes de deitar foi ao banheiro; ao lavar as mãos, teve a impressão de um vulto passando por trás dela; quando se aproximou da cama, deu um grito e pulou no colchão, acordando seu marido e quase matando-o de susto.

“O que foi isso, Maria Cecília” perguntou Donizeth com o coração disparado.

“Eu... estava... ao lado da... cama e quando... eu... fui desligar... a babá, alguma coisa... debaixo da cama... pegou... no meu pé”, respondeu Maria, chorando.

Donizeth ascendeu a luz.

“Calma, Maria, Donizeth olhou debaixo da cama, não tem nada aqui, você está impressionada, vamos dormir”, apagou a luz.

Maria desligou a babá eletrônica no seu quarto e não conseguiu mais dormir. Cobriu-se com o lençol até a cabeça. Qualquer ruído que ela escutasse naquela noite o seu coração disparava e foi assim até o amanhecer.

Depois do café-da-manhã, Donizeth foi trabalhar, ele era funcionário público, e Maria Cecília, que era professora de história mas estava de licença maternidade, foi levar o Aquiles para tomar sol no parque perto do seu apartamento. Lá encontrou Dona América, vizinha do quarto andar; uma senhora de meia idade e obesa, que travava uma batalha diária contra o peso. Ela cumprimentou-a, notou o seu rosto abatido e perguntou-lhe o que acontecera. Maria disse que não dormira a noite inteira e contou-lhe o caso da babá eletrônica. Dona América ficou impressionada com a história, ela era muito supersticiosa e disse: “Dona Maria, isso deve ser o espírito de uma criança que não conseguiu se desligar aqui da terra e ficou aprisionado no seu apartamento, a senhora precisa ir a um centro espírita e pedir auxílio para libertarem essa pobre alma”. E passou o endereço do centro para Maria. Despediram-se e Maria foi embora.

Na portaria do prédio, Maria encontrou com Marcondes, seu vizinho do apartamento ao lado. Ele tinha uma filha chamada Luísa, de oito meses.

“Bom dia, dona Maria!”

“Bom dia seu Marcondes!”

“Por acaso a senhora tem uma babá eletrônica?”, perguntou Marcondes.

“Tenho sim, por quê?”

“ É que eu também tenho uma, por causa da minha filha, e na noite passada eu ouvi pela babá eletrônica o choro do seu bebê e depois a senhora ninando-o”.

“Como assim?”, perguntou Maria Cecília.

“Houve uma interferência entre as babás eletrônicas. A senhora deve ter escutado o choro e os barulhos da Luísa”.

“Então foi isso! Eu me assustei quando ouvi o choro e não era o Aquiles. Como isso é possível?”, perguntou novamente Maria Cecília.

“As duas babás estavam ligadas no mesmo canal, elas funcionam como um rádio. Atrás delas tem uma chave e as posições dos canais A e B. A minha estava no canal A e a sua também deve estar, por isso houve a interferência, mas eu já mudei a minha para o canal B. A senhora pode deixar a sua babá eletrônica continuar no canal A que não vai haver mais interferência”.

“Ai seu Marcondes, eu nem dormi por causa do susto que eu levei. Eu estava pensando em jogar fora aquela babá eletrônica”.

“Não precisa fazer isso, pode liga-la hoje a noite que não vai ter problema”.

Despediram-se e Maria Cecília subiu para o seu apartamento. Conferiu a babá eletrônica e realmente a chave estava posicionada no canal A, e ela deixou como estava.

Naquela noite e nas noites seguintes, Maria Cecília sempre ligava a babá eletrônica e toda vez que ela escutava um choro pela babá eletrônica, era o choro do Aquiles.