O Sentido da Existência

Eu estava sentada em uma cadeira, bem no canto da sala, com um vestido de cetim preto. Minhas mãos, sobre as pernas, ficavam se entrelaçando, enquanto passava o tempo.

Mamãe, ao ver as fotos velhas e empoeiradas pelo tempo vivido no sótão antigo, pôs-se a adimirá-las e, como flash de um filme, vinha em sua mente os momentos felizes que passou ao lado da Vovó. Ergui minha cabeça, concentrada nos enlaces de meus dedos magros e compridos, em direção a mamãe e avi chorar e dizer consigo:

— Traiçoeira sejas tu, óh morte, que na sombra da angústia chega escondida e arranca-me do peito o único manancial de vida e conforto.

Voltava da cozinha meu Avó, que trazia uma caneca de leite quente. Sentou-se no braço da poltrona, ao lado de sua filha, e ficou a contemplar aquelas fotos.

— Veja. Esta foi quando você dançou no teatro. Estavas linda. Sua mãe emocionou-se muito ao ver-te naquele vestido branco, a mais bonita de todas as bailarinas.

— É... Mamãe me abaçou e beijou-me com grande alegria. Pena ela não ter aparecido nesta foto. Claro, foi ela mesma quem a tirou. Mãe, minha amiga e fiel conselheira. Maldita seja a morte, que leva a vida, e maldita seja a vida, que se deixa levar pela morte.

— Filha, a vida tem mistérios que a própria alma desconhece. Apesar do meu coração estar desestruturado, conformo-me em aceitar a ideia de que vou viver sem a presença de sua mãe, mas na certeza de que ela estará sempre comigo. Deves fazer o mesmo.

Foi então que mamãe, já com lágrimas a rolar dos olhos, disse:

— Não, papai! Não é justo o que Deus fez comigo. Ele deve ter jogado sobre mim a mais ingrata de todas as dores.

— Deus jamais faria tal ação, filha. Ele sabe o que faz. Escreve certo por linhas tortas. É o destino.

— Destino?! Que destino? Mamão não escolheu este destino. Este laço desatado não voltará a ser amarrado.

— Não há mais nada que se possa fazer. Somente o tempo irá dar-nos conforto e...

— Eu não posso aceitar esta condição sem fazer nada, meu pai, não posso. Deus pode fazer o que quiser, menos tirar a minha felicidade. Senhor! Se me ouvis, traga-la de volta, trag-la de volta.

Meu avô, em prantos incontidos, abraçou-se a mamãe e a consolou, como se ela sossegasse aquele coração órfão.

Decidi sair para a varanda e deixá-los a sós. O céu estava azul e limpo, apesar daquele dia triste e nebuloso. Após aquela cena, comecei a pensar. O que leva uma pessoa a ter essa reação.? Será apenas uma feto de filha ou é algo além da consciência humana? Qual o sentido da existência? procurei respostas para estas perguntas. Só depois de muito tempo descobri que a existência tinha um sentido claro e simples: o amor. Não é difícil perceber que o maior de todos os sentimento é o amor. Esse amor que faz uma mulher aguardar nove meses a vinda esperada de um novo ser. Dom da vida. O amor do filho que reconhece a luta e o sofrimento de uma mãe que enfrentou tudo pelo direito de amar seu filho. Então é isso! O amor. Eis a dádiva materna. O sentimento da vivência humana. Mãezinha, te amo.

Voltei correndo para dentro de casa. Não aguentava essa ansiedade de abraçá-la e dizer o quanto eu a amava.

Na mão, trazia a mais bela rosa que havia colhido no jardim. Um presente singelo para mostrar que é preciso viver, mesmo nos momentos difíceis. Na volta, deparei-me com um obstáculo. Um tropeço, e meu rosto foi de encontro ao chão frio da sala. A rosa fugiu da minha mão e, no meio da sala, caiu despetalada. Na dor latente de minha cabeça, chamei chorando Mamãe, mamãe! Ela veio depressa me socorre, deixando cair a caixa de sapatos com todas aquelas recordações da Vovó. Tomou-me nos braços. Perguntou-me se estava bem. Respondi que sim, mas a flor que pretendia dar-te está feia e sem pétalas. Além disso, por minha culpa te fiz derrubar as coisas da Vovó que eram tão importantes. Mamãe me disse que a flor é exuberante e viva somente na primavera. Quando chega o inverno chega, fica murcha e fria, até cair no chão. Acaba se tornando recordação antiga de caixa de sapatos, largada no sótão. Entretanto, você é a coisamais importante da minha vica, pois talvez jamais compreenderia o que mamãe fazia por mim sem ter você.

Eu a abracei bem forte e sussurrei suavemente em seu ouvido:

— Te amo, mãezinha...

Saulo Sozza
Enviado por Saulo Sozza em 20/02/2010
Reeditado em 22/02/2010
Código do texto: T2097752
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.