"LEMBRANÇAS DE UMA MARIA MOLECA"

Ana Maria moleca era assim que a chamavam!

Vivia no meio dos moleques, também não tinha meninas onde morava e também se tivesse brincava, mas gostava mesmo é de ficar no meio deles.

Jogava bolinha de gude e aprendeu a jogar espeto, empinar pipa, amarelinha ou céu e inferno, queimada e por aí vai.

Pulava muro, brincava de pega-pega, esconde-esconde.

Garrafão então nossa, faziam um enorme no meio da rua, não disse, era uma rua sem saída e tinha o formato de uma fechadura, cumprida e depois arredondava e nesse redondo é que faziam o garrafão, e era uma gritaria, ela ficava doidinha, ria que só, gritava e como, era assim sempre alegre, sempre rindo moleca mesmo.

E quando era dia de futebol, ah! Esse dia era uma brigalhada que só, todos queriam ela a Maria Moleque no time, tiravam no palitinho, ou no zaquem pó, no par ou ímpar, e ela sempre rindo se divertia de tudo e gostava se sentia importante, também a melhor goleira de todos, por isso brigavam tanto, porque sabiam que na rede bola não entrava e o outro time também já sabia que gol não marcava. Só que quando ficava muito parada, ah! Mas não era de ficar parada não ela entrava e acabava fazendo gol!

Lembro de várias vezes vê-la em cima da árvore que ficava na frente de sua casa, fugindo e a mãe dizia:

Desce já daí, eu vou ti pegar e você vai ver sua moleca!

Desço não, quando ficar mais calma eu desço e aí a surra vai ser menor pensava e ao mesmo tempo pedindo desculpas, mas que nada a mãe ralhava que só. Depois de um bom tempo ela descia, mas aí a mãe já estava mais calma e sobravam-lhe apenas algumas tapas ou um puxão de orelha, mas não era fraquinho não, ela ficava nas pontinhas dos pés, tinha a mão pesada como diziam e isso ela herdou da mãe.

Quando apanhava, que era quase todo dia, nunca, mais nunca teve um pensamento ruim sobre a mãe, nenhuma mágoa, nunca, porque lhe tinha e tem ainda tanto amor, mas tanto amor, que jamais deixaria que algumas tapas ou puxões de orelha lhe tirassem um pedacinho que fosse desse amor pelos pais.

Sabia que fazia molecagem e que a mãe gostava que fosse mais menina, mas que nada. Depois do banho, vestida com seu vestidinho feito pela mãe ah! Era uma bonequinha, toda faceira e sempre sorrindo, sempre alegre, sim sempre alegre, porque quando apanhava não chorava não, agüentava firme, mas não deixava aquele amor manchar por qualquer pensamento ou raiva, nunca, ficava triste por ter aborrecido a quem amava tanto, mas não era de propósito que fazia, ela era assim moleca de tudo, gostava de brincar e de rua também, nossa como gostava de rua, todo dia apanhava, mas no dia seguinte já na rua ela estava.

Preferia apanhar a de castigo ficar.

Nas festas juninas, todos a caráter, a rua toda enfeitada de bandeirinhas e balões dos quais tinham participado da confecção e montagem. Uma enorme fogueira quase no centro, na parte redonda da rua, construída todos os anos, pelos mais velhos para que pudesse queimar até o dia seguinte, pular a fogueira nem pensar era enorme, mas bem que ela a moleca tentava, mas nunca conseguiu, era pequena demais para pular uma fogueira tão grande, e ficava ali só olhando, esperando a batata doce assar, uma delícia.

Os vizinhos e seus parentes, todos amigos, cada um trazia um prato de doce e salgado, combinados antes para que pudesse ter variedades de guloseimas como: Bolo de fubá, de mandioca com coco, de chocolate, não podia faltar, pé de moleque, paçoquinha, pipoca, amendoim, cocada, quilos de pinhão da D. Nenê, apelido da mãe da moleca, pratos salgados: tortas, sanduíches, bolo salgado, cuscuz e muito mais, a mesa ficava repleta. Tio Beto, irmão de D.Nenê, mãe da moleca, quando chegava lá na esquina, vinha soltando bombas daquelas fortes, era um susto só. Lembro que o tio Dudu, pra dizer a verdade nem sei o nome dele realmente, era assim que o chamavam, junto com o pai da moleca o seu Zico - apelido - traziam fogos de artifícios de tudo que era jeito e era uma farra.

No Natal, a meia noite o Papai Noel, que seria alguém da família, pulava a janela e colocava na árvore os presentes, mas assim que ele pulou a janela, a moleca descobriu quem era, mas não podia falar ou então estragaria a surpresa, mas cochichou no ouvido da mãe: é o tio Dudu, a mãe olhou e disse: Não é não! Mas ela sabia que era e ficou quieta.

Lembro que quando chovia para a rua não podia ir, mas sempre tinha alguma arte para fazer, então tampavam os ralos do quintal e aí era tal de escorregar pra lá e escorregar pra cá, nossa como era bom, nunca ninguém se machucou que eu lembre, mas era de total alegria, imagina escorregar na chuva tem coisa melhor? Mas, nem tudo era alegria quando um carro Chevrolet verde estacionava na frente da casa, era só correria, direto todos para o banheiro, para uma ducha e se trocarem rapidinho, eram dois irmãos dela, um ou dois amigos e a moleca, morria de medo de apanhar, mas não tinha jeito não, parar para ela não tinha como.

Nas brincadeiras de esconde-esconde era tal de pular muro, a mãe já havia lhe advertido, no final da rua, tinha uma casa enorme a qual demoliram, mas não totalmente, era muito grande mesmo, tinha jardins e ela sempre dava um jeito de pular o muro e se esconder por lá. Sabia que ninguém ia cogitar em pular, o portão estava sempre trancado com uma corrente bem grossa e assim ela pulava e se escondia. Depois que todos eram achados saia sabe lá de onde, acabava salvando o primeiro achado, até um dia descobrirem o que fazia e aí não deu mais, teve que escolher outro lugar, mas para ela tudo estava bom, sempre arrumava um lugar diferente e audacioso, porque não tinha medo de nada, e se tinha enfrentava, nada a impedia, era moleca.

Uma vez, saiu à tarde com ordem é claro de sua mãe para brincar, com uma amiguinha que fizera na outra rua fora da fechadura, e assim ficaram na distração das brincadeiras de casinha, bonecas, panelinhas e tudo mais, esqueceu-se da hora e quando foi ver já estava de noite. Na volta, lá ia ela pelo meio da rua, pois pela calçada nem morta, pois como era no formato fechadura em certo ponto havia um canto, e nele tinha medo, pois achava que alguém poderia se esconder para atacá-la, mas nem o canto era suficiente para chegar mais cedo em casa, era rueira mesmo de carteirinha.

Em uma dessas tardias volta para casa, pelo meio da rua, claro! Ao chegar a casa sua mãe disse-lhe: Hoje você vai dormir na rua sua rueira! E trancou a porta.

E ela respondeu: Não mãe, não vimos, quando escureceu, me deixa entrar prometo que não venho mais tarde!... Mas a mãe sabia, que essa era uma promessa que ela nunca conseguia cumprir, pois por diversas vezes prometeu, mas que nada, sempre tarde da noite vinha.

Insistiu mais um pouco, viu que nada ia fazer a mãe abrir a porta e então pensou: ih! Agora! Se alguém entrar aqui! Onde vou dormir! E num instante teve uma idéia, vou dormir embaixo do carro, porque se alguém entrar não vai me ver, isso boa idéia - pensou, e foi se agachando quando por um milagre ouviu a chave virando na fechadura da porta, e a mãe dizendo: Dessa vez passa, da próxima não abro, vai dormir na rua - abrindo a porta. Ufa! Dessa eu escapei, mas de levar umas bordoadas não - pensei, mas que nada, nem uma tapinha? Nem um puxão de orelha? Realmente dei sorte ela deve de estar de bom humor ou então leu meus pensamentos, fui direto para o quarto e minutos depois já estava dormindo.

Ás vezes ela sossegava um pouco, nos fim de semana sábado para assim dizer, sua mãe gostava de costurar, colocava a máquina bem na porta da copa por causa da claridade, bem em frente do quintal e ela adorava, ia correndo pegar suas panelinhas e bonecas e ali permaneciam horas e horas brincando e olhando para mãe. De vez em quando ela lhe servia um café na xicrinha de ferro, toda pintada pareciam porcelanas com bandeja e tudo e lá ia ela dizendo: Servida um café ou um chá? - e sempre a mãe aceitava. Quando estava maiorzinha, já não brincava de panelinhas e nem bonecas, ficava ao lado da mãe para aprender a costurar também, porque queria ser, como a mãe, uma ótima dona de casa. Tudo que sabe veio dela, da mãe que ensinava com orgulho o que sabia para aquela moleca. Aprendeu a cozinhar desde pequena, mal alcançava o fogão, tivera que lhe arrumar um banquinho para poder olhar dentro das panelas, saber como a mãe fazia, e não tinha como tirá-la de lá, pois não saia não, enquanto a mãe não terminasse de fazer a comida. Eram momentos só delas. Ciumenta sempre quis ser filha única, pois não queria dividi-los, os pais, com mais dos sete irmãos que tem. Quando completou quinze anos achou que era adotada, coitadinha. Queria ser especial e era só e não sabia, só foi descobrir isso depois de muito tempo. Muitos anos depois, teve a certeza que fora feita do amor deles, que é a expressão do amor que eles tinham um pelo outro, do mais puro sentimento. As virtudes dos dois, porque dos defeitos ficaram somente o ciúmes, do qual tem por tudo e por todos, mas ciúme controlado, meio que bobo, normal, mas já foi pior.

Virou Mulher, casou uma noiva linda! Teve sua casa, seu lar, como sonhou quando brincava com as panelinhas.

Agora viúva, mãe de três filhos, avó de dois meninos com cinco anos cada, diferença de quatro meses de um para o outro, os quais ficam maluquinhos quando a vê e vão logo dizendo: Vovó eu te amo! Muito! E ela chega às lágrimas por tanta felicidade, por ser amada por duas criaturinhas tão lindas, inocentes que só tem amor no coração.

Mas ela continua moleca não de pular muro, de jogar espeto, bolinhas de gude e etc., mas se os netos quiserem ainda brinca de pega-pega, corre deles, joga bola, continua moleca, mas para os netos. Espera que um dia encontre um amor digno dela, alguém que a mereça, alguém que realmente queira ser feliz, que não tenha medo de ter uma moleca como amor, porque ela vai sim continuar com a criança que habita dentro de si, sempre rindo a brincar com todos, até que um dia vá brincar e ser moleca em outra Vida!

ARACHIN
Enviado por ARACHIN em 27/02/2010
Código do texto: T2110935
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