NO PAÍS DO SOL NASCENTE

Contemplada com uma bolsa de estudos do governo do Japão lá fui eu para a Terra do Sol Nascente. Viagem em primeira classe. Escala em Los Angeles. Desembarque no aeroporto de Narita em uma bonita manhã.

Durante a viagem eu conheci um senhor comerciante japonês residente em São Paulo e com família em Odawara. Ele fazia comércio entre Brasil e Japão.

Eu ficaria baseada em Osaka para um curso de três meses. Ele ofereceu a residência japonesa para eu passar alguns dias e conhecer seus filhos e - quem sabe - fazer alguns passeios. Prometeu me visitar em Osaka antes de retornar ao Brasil.

Passei uma semana em Tóquio para receber instruções e conhecer os demais integrantes da turma que faria também o curso.

Fizemos a viagem até Osaka pelo veloz Shinkansen. A hospedagem seria num hotel já reservado pela organização do curso. O que mais amei no quarto do hotel foi a banheira Ofurô.

O Centro de Treinamento é localizado na cidade de Kyoto, onde seria dado o curso, de modo que diariamente o grupo deveria se deslocar para lá.

Entre outros, foi oferecido ao grupo um passeio a Nara. Em Nara tive a oportunidade de conhecer um parque nacional belíssimo por onde circulavam lindos, livres e soltos uns veadinhos de floresta. No passeio ao parque fui surpreendida por alguns desses pequenos Bambis avançando para o saco de bolachas que trazia nas mãos. Tiramos várias fotos.

O curso abrangia uma parte teórica ministrado por diferentes professores oriundos de universidades ou de repartições do governo. A parte prática consistia na elaboração de uma monografia com dados dos países de origem dos participantes sob a orientação de um dos professores.

Minha orientação ficou por conta de um eminente e ocupadíssimo funcionário público, um assessor do governo na verdade, o qual dispunha de pouco tempo para minha orientação individual. Assim, eu fiquei praticamente livre de entrevistas e horários fixos permitindo-me dispor do tempo a meu bel prazer.

Fiz muitos passeios por Osaka usando os trens urbanos para deslocamento assim conhecendo o dia-a-dia das pessoas japonesas comuns. Sempre que podia corria para Shinsaibashi ou Tennoji para admirar as lojas e o seu movimento.

Os colegas de turma estavam envolvidos com suas monografias e cumpriam horários determinados por seus respectivos orientadores, assim não dispunham de tempo para me acompanhar nas andanças, portanto, eu com um mapa na mão saia pelos arredores descortinando a cidade.

Em uma dessas andanças, fui parar em Shinsekai, um antigo bairro localizado próximo ao sul de Osaka. Após a II Guerra Mundial, a área se tornou uma das mais pobres do Japão, com uma imagem negativa e a reputação de zona perigosa.

No bairro está situada a Torre Tsutenkaku, a atual construção é a segunda geração da torre porque a primeira foi destruída na guerra.

O governo japonês desmantelou a torre, em 1943, acreditando que ele poderia servir como um ponto de referência para os bombardeios americanos em Osaka e o ferro da torre foi derretido e utilizado para a guerra. Em outubro de 1956 a segunda geração torre foi aberta e nesta segunda versão foi introduzido um elevador.

Muitos moradores de Osaka afirmam ter medo de circular por Shinsekai a pé na área e guias de viagens alertam os visitantes para se manterem atentos. O estigma da Shinsekai como uma área perigosa se deve muito a atividade criminosa que floresceu nas décadas anteriores a década de 1990.

As pessoas sem teto, ou os idosos, de todas as partes do Japão deslocaram-se para zonas em torno de Shinsekai e perambulam pelas ruas em torno da área.

Desconhecendo a fama do bairro, sem a proteção de guias de viagem e curiosa para me aproximar da torre avistada ao longe, eu caminhava despreocupada. Repentinamente eu me vi cercada por um bando de mendigos maltrapilhos.

Algumas pessoas assistiam ao assédio sem tomar qualquer atitude. Eu tentava me desvencilhar do grupo, alguns mendigos estavam bêbados e pediam dinheiro. Com muito custo consegui me safar deles desistindo de conhecer a torre de perto.

Entrei numa lojinha para me recuperar do susto e acabei por comprar dois copinhos de louça para chá. Um dos copinhos tem uma pintura retratando a Torre Tsutenkaku. Eu nada comentei com meus colegas e tampouco com os professores.

Na programação do curso constava um recesso de quinze dias por ocasião do Natal e do Ano Novo. Assim, aproveitei a oportunidade para conhecer a família do Senhor Hitachi. Fiz a viagem de ônibus durante a noite até Tóquio e de lá rumei para Odawara com uma paradinha em Yokohama.

Fiquei deslumbrada ao avistar o Monte Fuji que conhecia por fotografia de calendário. É uma montanha de um azul maravilhoso com aquela cobertura de neve! A acolhida recebida na casa da família do senhor Hitachi é indescritível. Afortunadamente, me foi possível conviver por alguns dias com uma tradicional família japonesa.

A propósito, por ocasião da viagem ao Japão eu terminara a leitura de ‘Shogun’, de James Clavell, em dois volumes. Eu tive o privilégio de, acompanhada do irmão do senhor Hitachi que foi um gentil cicerone, passar por muitos lugares descritos na obra.

O dia mais emocionante foi o dia do passeio aos pés do Monte Fuji. Eu me contentei em tirar muitas fotos por não poder escalar o famoso Fuji San.

Foram vários os passeios pela região de Odawara. Conheci Atami, e um dos passeios também inesquecível foi a Ito e Izu Kogen – a Península de Izu. Em Ito, meu cicerone me levou a um restaurante onde havia um enorme aquário para o cliente escolher o peixe a ser preparado.

Qual não foi a minha surpresa ao deparar com um peixe vivo espetado num palito enfeitando o prato. Para não testemunhar a agonia do peixinho, eu me retirei para o banheiro com a desculpa de lavar as mãos, pedindo ao meu acompanhante para dar um sumiço no bicho moribundo.

Visitei templos magníficos e, por estar no período de férias para os japoneses, correspondendo ao Natal no Ocidente, a mim parecia que o Japão estava em festa. Embora o Natal não seja celebrado como os ocidentais o celebram, as lojas de departamentos exibem decoração natalina suntuosa.

Os japoneses comemoram o Ano Novo, período em que viajam com a família visitando os parentes, deixando nas portas das casas lindos enfeites artesanais.

Na visita a um dos templos, eu deparei nos jardins com uma série de estatuetas. Semelhantes aos ex-votos dos católicos eram consagrados à entidade do templo representando crianças que foram abortadas.

Em outro, uma arvorezinha estava repleta de recortes de papel amarrados em seus ramos. Significavam os pedidos deixados pelos crentes para obtenção de graças ou em agradecimento às preces atendidas pela divindade do templo.

Findo o período de recesso, o curso foi retomado e logo chegou ao final e encerrado com grande festa.

Eu havia optado pelo retorno ao Brasil via Nova York, por alguma razão foi necessário que eu permanecesse em Osaka por mais alguns dias, assim passei a maior parte do tempo passeando por Shinsaibashi ou por Tennoji, além de retornar ao castelo de Osaka para repisar o solo em que Toyotomi Hideyori enfrentou o exército de Tokugawa, o Shogun.

Finalmente embarquei para Nova York, e enquanto aguardava a conexão fui até Manhattan por ônibus. Ao retornar ao Aeroporto de LaGuardia para embarcar de volta ao Brasil passei pelo banheiro e lá deixei o casaco usado no inverno japonês, pois no Brasil era verão. A faxineira pegou o casaco, revirou os bolsos, revirou do avesso e o jogou no saco de lixo.