OS ASSASSINOS

A cada dia que passo trancado nesta cela anti-humana, sei que mereço um castigo mais doloroso. Poderia sugerir que me espancassem com mais força, que aprendessem mais técnicas de tortura e de estrangulamento. Estes guardam me decepcionam. Sou um preso perigoso e eles não se atentam tanto para isso. Preferem apenas cumprir o seu trabalho. Chegam cedo. Tomam café aqui na penitenciária. Café com pão. São obrigados a cumprir o horário e como são aplicados! Há uma estrela no céu neste momento absorvendo o vapor da obediência de meus carrascos.

Ontem estivem olhando a minha nova casa. O que mais dói nesta nova condição é saber que estou entregue ao tribunal da minha própria consciência. As minhas carnes amolecem só de pensar que o tempo estará me dominando em cada passo e preparando o meu banho e experimentando o tempero da minha ração.

Não digo que odeio tudo isso. No dia em que me tornei um assassino, fiquei livre para sempre de carregar os sentimentos do amor e do ódio. Há no coração do assassino uma espécie de esquizofrenia que só a ele aparece com o mesmo traje. É o castigo, não pelo crime, mas por existir depois dele.

Poderia ter sido um bom sujeito, ter me envolvido em negócios caridosos. Eu tentei, mãe, eu tentei! Na mente do fracassado, o enredo não adquire vida própria. O diretor se distrai com o próprio chiclete. O meu crime foi simples. Confesso que pior não é ter libertado a alma da inútil matéria. O crime maior que eu horrendamente cometi foi assassinar a minha própria bondade. Eu era um bom homem. Tinha um coração alegre e tecia grandes planos. Quando criança, empinava papagaios e faltava à escola para visitar um amigo paralítico. Ele não tinha amigos. Um dia, cheguei para vê-lo e ele estava doente. Seu hospital já não possuía do dom de cura-lo. Senti pela primeira vez que a vida também comete crimes.

Márcia acha que eu sou um monstro. Não, minha cara, eu ainda não sou. Nunca tive vocação para tanto. Fui um homem de modestos sonhos e magras ambições. Há uma semana, recebi em sonho a visita de um estranho. Um homem que se vestia como eu, sentava-se ao meu lado, como a minha sombra e falava, falava. Não havia som nas suas palavras. Eu chorava. Ele sorria. Seu sorriso também não carregava áudio. De repente, as cores foram desaparecendo dele, até ele se transformar na minha sombra. Desde essa noite, tenho um medo horrível da minha sombra. Como dói, Márcia, não ter o poder de assassinar esse monstro. Daria minha vida para ter uma arma que eliminasse essa maldita companhia.

Não acho muito justo eu estar aqui. Estamos todos presos de alguma forma. Tenho pena dos guardas, que ainda são obrigados a voltar para casa e cumprir a obrigação do sexo, do amor e da companhia. Não consigo entender porque não há uma mão enorme que possa nos ir eliminando a partir de cada crime que cometemos. Somos todos assassinos, Márcia. Você é um anjo, mas há sangue e um machado pronto para aniquilar qualquer criatura. Você tem asas, Márcia, mas o peso dos seus crimes, te faz voltar sempre a usar sandálias.

Há dias não tomo o remédio e a minha cabeça gira, gira e me traz lembranças amargas. Deveria ser vetada aos assassinos qualquer recordação da infância. É como se fôssemos induzidos a entrar na lembrança e matar infinitamente o menino que sonhava com um futuro brilhante. Mesmo com as mãos atadas, o nosso instinto estraçalha o coração da criança com dentes, língua e com um veneno que inventamos na hora.

A minha mãe sente vergonha de olhar nos meus olhos. Não era seu sonho ter um filho assassino. Sempre quis um médico. Não fique surpresa, minha mãe, mas sendo um médico, estaria tentado a desenvolver uma legião de assassinos dentro de mim. Com o dinheiro, compraria bactérias para devorar a minha sensibilidade e lapidar as minhas mãos para com elas, destruir as coisas ao meu redor. A minha cabeça gira, e com ela, Márcia aparece nua, amando-me com pressa, mas prometendo-me ser melhor amanhã. Márcia girando blocos de cimento e sangue, e seu amante, picotando pedaços do meu cérebro. Márcia agora é uma criança e me beija na roda gigante. A faca treme na minha mão, mas parece que há uma coleção de lâminas na minha cabeça. O barulho começa a anunciar uma assembléia urgente na minha cabeça. A calvície me torna desesperado e sou tentado a morrer, antes do amigo de Márcia. Não tem o meu perdão, Márcia. Começo a sentir voltar o seu amigo. Arrancando diversas vezes a faca do coração e me pedindo para cura-lo, dizendo que eu sou o melhor médico.

Minha cabeça ameaça explodir e me libertar para algum intervalo. Minhas mãos sentem alguma espécie de morte em todas as grades.

Que crime terá cometido meu vizinho de cela? Penso nele para gastar o tempo e não ter que me punir ainda mais. Nunca sentirei compaixão dele. O que me chama mais a atenção é a condição dos guardas. São presos privilegiados aqui. Andam, riem e recebem dinheiro por isso. As chaves constituem-se no símbolo do seu poder sobre nós. Mas estão ainda mais presos.

Há alguma vontade de arrependimento nascendo no meu coração, mas por um absurdo gesto, sinto surgir instantaneamente guardas dentro de mim, que chegam e aplicam algemas. As vontades acabam morrendo sem ao menos lançar um olhar pela única janela que dá acesso ao sol.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 15/03/2010
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