UM CAIPIRA VALENTE - 5 - Final.

UUM CAIPIRA VALENTE - 5

A escrivã estava ansiosa na delegacia. Olhou para o relógio em seu pulso: 5 horas da tarde. Não sabia o destino daquele caipira. Seus nervos estavam à flor da pele. Tentava não transparecer.

O telefone tocou. A escrivã atendeu e sorriu para si. Imediatamente, ela fez várias ligações.

A noite chegava mansamente...

Kostella Kid e seus homens, depois de uma breve conversa com Ozório e sua filha, esconderam os cavalos mais distante. Colocaram mais lenha na pequena fogueira. Mais ao fundo da caverna, forjaram com galhos e coxinilhos dos arreios, dois corpos a dormir. Imediatamente, pegaram alguns arbustos flexíveis e com bastante folhagem, que Ozório já havia cortado, e enfiaram as pontas deles nas botas e nos cintos cobrindo-se até acima da cabeça. Pareciam árvores pela noite. E, então, espalharam pelo mato. Somente o cavalo de Ozório ficou perto da caverna.

— Aruera — disse Ozório —, eu não quero mais mortes. Já qui ocê tá qui agora, o qui falá tá falado.

— Claro, meu amigo. Você já se defendeu como podia dessa gente... e, nem eu quero também mortes. Quero apanhá-los bem vivos, se possível, para servirem de exemplo. Matá-los, seria acabar com o sofrimento deles no inferno de uma prisão. Quando eles chegarem, moveremos silenciosamente algumas “árvores” para junto das motos ou carros deles. Quando eles se afastarem rumo à caverna, cortem a mangueira da gasolina das motos e entopem o cano de descarga dos carros, se eles vierem de carros, claro. Não funcionarão. Mande Patativa se esconder mais longe. Não quero que aconteça nada com ela.

— Tá bão, Aruera... Dagora im diante, ocê qui manda.

Algum tempo depois, faróis brilharam pela estrada de terra.

— Eles estão vindo em motos, Ozório. Umas cinco motos. Se houver apenas um em cada, serão cinco pessoas, se não tiver alguém na garupa... — disse Kostella Kid.

— Vamo ver adondi eles vai pará.

As motos pararam junto perto da cerca à beira da estrada de terra. Todos desceram. Levantaram a viseira dos capacetes para melhor enxergar à noite. Adentraram-se mato adentro.

— Corte as mangueiras da gasolina — ordenou Kostella Kid.

Dois “arbustos” aproximaram-se das motos. O restante dos homens que Kostella Kid comandava, tendo sempre ao seu lado seu amigo Ozório, seguiu sutilmente pelo mato rumo à caverna.

— Tem uma fogueira ali — disse um dos motoqueiros.

Ao se aproximarem da caverna, pararam. Observaram a uma boa distância o que parecia dois corpos dormindo mais ao fundo.

Sacaram suas armas.

— Aruera — disse Ozório —, eles vão intrá na caverna, modi matá eu e Patataiava, né?

— Acho que sim...

— Eu posso fazê uma surpresa pra eles?

— Em que esta pensando?

— Vi muita caxa de marimbondo pur aqui e sei adondi elas tão... é só cortá o galho da árvore divagá e adispois eu jogo na entrada da caverna... Eu quero qui eles fiquem bem picadinhos — e riu.

— Tá bom, Ozório — riu Kostella Kid —, mate seu desejo. Mas tome cuidado para não ser visto. A Polícia Federal já deve ter chegado ao hospital daqui, na fazenda de João Catalão e na capital, para prender todos eles. Só esta faltando este grupo aqui. O que eles fazem por aí, meu caro Ozório, é um crime horroroso, ganham dinheiro com transplantes de órgãos humanos. Vão pegar muitos anos de prisão. Temos que pegar todos vivos.

— A caverna num tem saída... se eu jugá os marimbondos neles, e nóis dé uns tirinhos na entrada da caverna, eles vão ficá incantuados com os marimbondos picando eles e nóis dando uns tiros modi eles num saí de lá... Vão tá no mato sem cachorro!

Lentamente, o grupo dos motoqueiros comandados pela mulher de cabelos compridos, aproximava da caverna. Todos com suas armas em punho.

— Trouxe a granada? — perguntou um dos rapazes à mulher que os comandava.

— Sim. Vamos matá-los e explodir a boca da caverna. Assim não ficará rasto algum deles — e dizendo isso, retirou do bolso de sua jaqueta a granada de mão.

— Vamos matá-los primeiro. Depois, detonaremos a boca da caverna.

Em passos lentos, tentando não acordar os supostos corpos dormindo mais ao fundo da caverna, pararam já dentro dela.

Um cavalo relinchou.

O grupo olhou para trás.

— Tem mais alguém por aí — disse um deles.

— Deve ser o cavalo do caipira — comentou a mulher.

Imediatamente, dispararam contra os corpos cobertos pelos coxinilhos dos arreios. Os corpos não se moveram. Um deles aproximou dos “mortos”.

— É uma armadilha! — gritou ele.

A mulher tirou o pino da granada e segurou-a firmemente com a mão para que não detonasse. Nesse instante, Ozório jogou umas três caixas de marimbondos dentro da caverna. Com a viseira dos capacetes levantada, até que entendesse o que estava acontecendo, mesmo com as jaquetas de couros e roupa grossas, sentiram picadas pelos rostos. Baixaram as viseiras. Alguns dos inquietos marimbondos ficaram presos dentro dos capacetes. Imediatamente os retiraram; pioraram a situação. Os marimbondos esvoaçaram e alguns tiros foram dados pelos homens de Kostella Kid, encantoando o grupo de motoqueiros dentro da caverna.

— Não solte isto agora, sua idiota! — gritou um dos rapazes à mulher, referindo-se a granada na mão dela. Ela estava desesperada, com o cabelo cheio de marimbondos e o rosto sendo picado pelos pequeninos e ferozes marimbondos.

Estavam numa situação extrema; marimbondos em alvoroço picando todos dentro da caverna e tiros vindo do lado de fora. O grupo se debatia com as mãos como podiam, picados por centenas de marimbondos e uma granada, que não podia ser explodida naquela hora, na mão da mulher. Qualquer descuido seria fatal. Se ela bambeasse a mão que estava a granada para se livrar dos marimbondos todos seriam soterrados por uma explosão.

— Joguem as armas e saiam! — ordenou Kostella Kid. — Sou o delegado de Delfim Moreira e tenho ordem judicial para prendê-los. Esta caverna não tem saída!

A mulher, desesperada para se livrar dos marimbondos, abanava o rosto com uma das mãos, desesperada para se livrar do enxame dos maribondos que lhe picavam o rosto. A vaidade feminina falou mais alto. Soltou a granada num ato de desespero e se debateu com as duas mãos.

— Corram, corram... — gritou ela.

Todos saíram apressadamente para fora da caverna e rolaram pelo chão. Houve uma explosão descomunal. A caverna desabou, expelindo pedaços de pedras por todos os lados. Um deles foi morto pela explosão. O restante do grupo saiu em desespero pelo mato.

Ao passar perto de um “arbusto”, uma coronhada no peito tirou um de circulação, foi desarmado e amarrado.

Aos poucos, na penumbra da noite, sem ver ninguém, todos foram dominados pelas “árvores” andantes.

Ao final, levado para junto da fogueira. Kostella Kid finalizou:

— Todos estão presos! Tenho uma ordem judicial aqui! — mostrando a eles o papel — Sou o delegado de Delfim Moreira. A Polícia Federal já prendeu o médico de Belo Horizonte, por tráfico de órgãos e o fazendeiro João Catalão. Vocês estão bastante encrencados: formação de quadrilha, seqüestros, tráficos de órgãos, porte ilegal de armas, abuso de poder, e mais alguns crimes que vou me lembrar depois... É abominável o que vocês fazem; seqüestram pessoas inocentes para tirar órgãos delas e vender...

Patativa aproximou-se do grupo.

— Foi esta mulher aí que me deu uma bala e me seqüestrou — reconhecendo a mulher.

— Eles vão pegar uns bons anos de cadeia, Patativa. Amarrem todos eles. Vamos levá-los para a delegacia desta cidade. Coloque o morto num dos cavalos. A Polícia Federal já deve estar nos esperando.

O comboio dos prisioneiros, lentamente, pegou a estrada rumo à cidade, vigiados pelos cavaleiros de Kostella Kid, tendo ao seu lado Ozório e Patativa, que agora podiam respirar mais aliviados.

— Muito gradicido, Aruera. Ocê tirou nóis duma increnca danada. O qui eu fiz foi pur minha fia.

— Não foi nada, meu amigo. Você fez o que foi possível para sobreviver e salvar sua filha. Temos mesmo que tirar pessoas assim de circulação. Se não fosse sua coragem, não descobriríamos esta quadrilha. Eu não permitirei que pessoas assim fiquem impunes. A impunidade tem que acabar em nosso país. E, quanto a você e Patativa, serão muito bem-vindos na fazenda de meus pais. Vão morar lá de agora em diante.

— Muito gradicido, Aruera. Nóis num tinha memo onde morá dispois de tudo isso.

— Agora tem. Precisamos de alguém como você por lá e de Patativa para cantar para nós.

Ozório limpou despistadamente os olhos. Estavam úmidos.

— O que foi pai? — perguntou sua filha.

— Num foi nada, fia. O Aruera quer qui nós vai morá lá na fazenda do Cotia e de Dona Fia. Temo onde morá e trabaiá, agora.

— Que Deus lhe pague, Aruera... Não vamos decepcioná-los — disse Patativa.

— Eu sei disso, Patativa. Você e seu pai são pessoas muito boas.

— Sua família também é... E o senhor tem um bom coração. Muito obrigada.

— Não há nada a agradecer. E seu pai não vai mais trabalhar duro, vai somente ajudar a comandar tudo por lá... e você ajuda minha mãe nos afazeres da casa... Pode ser?

— Será um prazer...

— Mas... tem que cantar para nós, viu!

— Cantarei o dia inteiro, Aruera — disse Patativa, um tanto emocionada.

Fim.

Lucas Durand
Enviado por Lucas Durand em 23/04/2010
Reeditado em 24/05/2010
Código do texto: T2214533
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