Haras

Há dias em que tudo parece dar errado e é inacreditável que no meio de um dia tão turbulento ainda ser possível viver tantas emoções.

Um turbilhão delas movia-se ferozmente na mente de Raquel, enquanto pacientemente, esperava por Júlio, que calmamente despedia-se dos amigos comuns ao final de mais uma sessão de reuniões hipócritas.

Espero você no carro Júlio, não me sinto bem, e saiu andando prazerosamente sobre saltos altíssimos imunes aos comentários que logo circulariam pelos corredores sobre o fato de saírem juntos e no mesmo carro da reunião.

Júlio a seguiu com o olhar, como sempre fazia ao término destes encontros e sabia que Raquel estava exausta daquilo tudo.

Mesmo andando em direção oposta ela sabia exatamente a impressão que causara a Júlio e sentiu ao voltar-se para onde o deixara seus lábios crispados em torno desta certeza.

Ah pensava Raquel consigo, deslizando as mãos na roupa amassada enquanto descia o elevador. Até quando iria persistir aquele clima entre eles?

Já se passaram dois anos desde que pactuaram transformar a grande paixão que os consumia na amizade que os unia desde então. Ambos canalizaram a energia para o trabalho. E pouco estiveram juntos e a sós desde então, apenas limitavam-se a diálogos sucintos e profissionais.

Mas naquele dia ambos desfrutavam do mesmo cansaço, da mesma e sempre cumplicidade que os atava a despeito do tempo e das pouquíssimas vezes que se encontravam.

Estavam enojados da hipocrisia que os rodeava, mas enfim até pensar nisso era irritante, ao menos naquele instante.

Raquel estivera prestes a declinar do convite, quando um Júlio moreno e afogueado entrou no carro praguejando baixinho, palavras que só ele entendia, mas que ela sempre captara o significado na simples expressão do olhar.

Como se entendiam! E como ela gostava desta mútua compreensão. Júlio olhou-a enquanto manobrava o carro e disse: moça! Posso raptar você hoje à tarde? Raquel sorrira afinal o não inexistia, pois Júlio já parecia ter planejado tudo.

E Júlio como sempre com seu humor exigente e brincalhão prontamente respondeu ao pensar mudo dela, ah claro Raquel, fale a condição... Qual? Parou Júlio um instante num meio sorriso: Bem mocinho quero que deposite o resgate em minha conta.

Sinto dizer que desta vez a vitima não terá a menor chance de sobreviver, quanto ao resgate vamos ter muito tempo para pensar sobre o que faremos com ele.

E os dois caíram numa sonora gargalhada cientes de que um ingrediente comum havia entre eles e que mesclava o desejo um do outro na mesma direção.

Mas falando sério Júlio, onde mesmo estamos indo? Ele respondeu: eu vou levar você para conhecer o local onde tenho passado belos momentos de minha vida, diria até que os únicos nos últimos dois anos.

Ambos neste instante deparavam-se com imagens comuns na memória do tempo passado e automaticamente olharam, cada um no horizonte de sua janela e em simultâneo se deram conta que estava ali presente e próximos a rememorarem isto, talvez escreveriam com outras palavras esta tarde, certamente ela não teria o mesmo final da última vez em que estiveram juntos.

Rapidamente aproximaram-se da praia, caminho mais próximo para chegar ao Empire Horses, era este local que Júlio referiu-se a pouco, seu Haras o maior das imediações.

Cabelos ao vento, em silêncio, breves olhares, uma leve brisa marinha que emoldurava os caminhos e logo entraram numa estrada secundária em direção ao Haras.

O ar marinho rapidamente mudou para um mais agreste. Por todos os lados viam-se pequenas propriedades, cuja principal atividade estava relacionada a cavalos.

Júlio era o proprietário mais próspero da localidade, nos dois últimos anos em sua propriedade que ele chamava humildemente de meu pequeno paraíso privado de 60 hectares. Lá conseguia se encontrar praticamente todas as atividades relacionadas ao mundo equestre, sem falar nas belíssimas raças de seu plantel. E duas ele falava com carinho e orgulho: puros sangues Árabe e Lusitano (Andaluz), raças de origem ibérica.

Detalhes de um mundo que Raquel desfrutava embevecida como se há muito já fizesse parte dele.

Criar raças de porte e de origem nobre eis o grande desafio para Júlio dos últimos dois anos.

Raquel não entendia muito, mas diziam que os puros sangues do plantel de Júlio eram grandes campeões, e como se não bastasse era ele o único a possuir os tais cavalos das raças nobres e de excelente pedigree, puros sangues: árabe, inglês, Andaluz, quartos de milhas, marchadores, foram nomes que Júlio vaidosamente desfolhava em sua narrativa.

Agora estavam diante dos portões, estes eram de uma madeira de lei resistente, muito bem tratada e imune ao passar do tempo. No meio delas havia um brasão com as marcas que identificavam o Haras, na verdade tudo ali tinha o jeito forte da personalidade de Júlio, firmeza e um toque sutil de sensualidade acentuado em tudo pelos simbolismos inerentes a este universo equestre. No portão havia um brasão com os ícones do Haras. Um belíssimo efeito visual descortinava-se à medida que o caseiro prontamente abria o pesado portão.

Tudo ali, além de belo era excitante para Raquel, Júlio olhou irônico para as pernas dela, que instintivamente seguiu seu olhar na mesma direção e disse baixinho, você não muda não é Júlio? Ao que ele prontamente respondeu, engano mocinha! Mudo, e sempre para melhor. Comecemos então por estas coisas altas que você chama de sandálias, que tal trocar por um belo e confortável par de botas e sugiro que vista uma calça, mas se preferir não mude, prometo não olhar quando for montar.

Finalmente, escuto de você uma proposta decente Júlio, claro que aceito. Júlio riu baixinho e disse: você não perde por esperar as indecentes.

Enquanto trocava as sandálias ouvia extasiada o roteiro de Júlio para aquela maratona vespertina, ou equina seria este o termo mais apropriado.

Vamos conhecer algumas baias, onde estão os meus melhores puros sangue, depois verá algumas das preciosidades que tenho aqui. E por fim iremos cavalgar um pouco.

Mas Júlio! Respondeu uma afogueada Raquel, faz muito tempo que fiz isso! Fique tranquila Raquel, sei muito bem de seus dotes e depois tenho uma égua especial para você, é um exemplar raríssimo aqui na região. E irá conhecer também o meu preferido, juntos formam um belo par, portanto faremos jus aos dois.

O caseiro discretamente distanciou-se, Raquel desviou o olhar e aceitou prontamente o suco geladíssimo que apareceu à sua frente.

O ar morno da tarde, a brisa vinda do mar não muito distante, o cheiro dos cavalos. A proximidade deles foi pouco a pouco a envolvendo num mundo onde ela saberia muito bem onde poderiam chegar, mas finalmente percebeu e se deu conta de que não viera ali para se reprimir em nada.

À medida que iam percorrendo as baias, Júlio descrevia as raças, origens, pelagens raras! E nomes sugestivos como trigueiro, alazã, castanho, tordilho, termos que pipocavam aos seus ouvidos num festim erotizante que incendiava sua mente.

O cheiro de tudo aquilo, aqueles cores, os movimentos sensuais dos cavalos, começaram a mexer com Raquel. Seus olhos mostraram-se lânguidos e distantes diante da narrativa, seus lábios pareciam desidratar, a proximidade de Julio despertava-lhe um desejo inenarrável de ser possuída naquelas cocheiras. Ele percebia, e demonstrava muito bem isso através de seus olhares e porte sensual, mas fazia-se de indiferente enquanto displicentemente não perdia a chance de toca-la sob pretexto de pequenas correções nas baias.

Até que um cavalariço saiu de uma cocheira e disse, os cavalos estão prontos.

Raquel permaneceu muda, os cavalos a sua frente eram estonteantes. O maior deles, um belíssimo cavalo castanho de crinas douradas, pelo reluzente, resfolegava, Júlio aproximou-se e baixinho com sua voz grave murmurava calma Moonshine, calma, e desviando seu olhar para Raquel justificou: ainda não está acostumado à presença de uma bela mulher. E piscando o olho para o cavalo arrematou: vamos tentar nós dois, está bem? Confesso que ela mexe comigo também.

Raquel fazendo-se de desentendida encantou-se pela égua, esta de um olhar incrivelmente doce para um porte tão aristocrático. Talvez um olhar arrogante caísse-lhe melhor. Pronto! Exclamou Júlio surpreendendo-a, Raquel minha bela moura, e sorriu entre dentes, esta é especialmente para você, uma legítima linhagem lusitana, uma égua andaluz alazã, conhecida entre nós como a raridade. Difícil descrever a beleza do puro sangue árabe de Júlio, impossível descrever onde terminava a beleza de um e começava a do outro. Mas havia algo de comum entre eles, a cor dourada.

Que caprichoso ele era, sempre atento até nisso não esquecera de que sempre mencionara em tempos idos ter verdadeiro fascínio por tudo relacionado às origens ibéricas. Esta égua, até no nome relacionava-se a sua origem, Odalisca.

Bom, mas agora já estavam os dois trotando por caminhos mais arborizados. Segundo Júlio, adiante havia um pasto onde poderiam parar um pouco e abaixo corria um pequeno riacho.

Passaram-se 40 minutos destas palavras até chegarem ao local que de fato merecia ser chamado de Éden.

Raquel foi a primeira a desmontar, quando o fez olhou de relance para Júlio, o calor da tarde amorenara sua pele, a barba forte já azulava metade do rosto, Seus olhos amendoados, mais parecia ser ele um berbere. E fitaram-se num instante de absurda magia e perceptível eletricidade.

Raquel desviou o olhar e amarrou Odalisca numa árvore próxima. Do lado oposto e repetindo os mesmos movimentos, com nítida precisão já estava Júlio. Entre eles o tronco da árvore e abraçando a árvore suas mãos, inevitáveis naquele toque, e impossível não se deixar envolver pelo perfume amadeirado que emanava dele.

Inconfundível, mas ali naquela pradaria, naquele cenário tudo isso tinha um efeito redundante.

Raquel afastou-se e acomodaram-se deitados na relva. Júlio sentou do lado oposto e ficou brincado com seu chapéu. Olharam-se, ele aproximou-se e disse, posso? Ela falou: se eu disser que não? Não fale mocinha não é necessário, seu olhar sempre me disse tudo, prometemos, eu sei e não esqueci, mas hoje Raquel não me lembre de tais promessas está bem?

Prometo que farei sua tarde algo inesquecível, eu diria a primeira de uma série de muitas.

Estavam agora próximos, sentados um de frente para o outro. Júlio puxou-a num terno abraço, incrível a capacidade que ele tinha de surpreendê-la e acalmá-la, seu coração batia acelerado, carinhosamente ela aconchegou-a ao peito desnudado pelos botões que se abriram. Mergulhou suas mãos por entre os botões entreabertos e correspondeu ao abraço.

Um Júlio de voz forte e rouca murmurava ao ouvido dela: Raquel, não vamos mais fugir de nós, foram dois anos difíceis, eu durmo e acordo pensando em você. Não tenho mais como continuar fingindo que posso ser feliz e fazer de conta que você será sempre a boa amiga, preciso de mais, preciso do tudo que você é só para mim.

Raquel até então não sabia que Júlio estava finalizando a legalização do divórcio e ficou boquiaberta quando este falou, agora sou um homem livre e a única coisa que estou empenhadíssimo é desfrutar desta liberdade ao seu lado, por que se existe algo que sinto é que amá-la sempre me fez livre, e só por isso quero estar sempre unido a você.

Sei que é algo difícil de acreditar, mas falo a verdade, e a única forma que terá para comprovar o que falo é aceitando o risco incalculável de ser feliz a meu lado. Que me diz?

Tudo aqui é inspirado em sua personalidade, digo melhor, em nós, e em toda esta energia que nos une. Ah Raquel!Que violência nos impomos em nome do sermos politicamente corretos, dane-se este mundo profissional que nos rodeia, o grande objetivo de trazê aqui foi para que percebesse que ele já não é mais importante. Podemos os dois cuidar do Haras, existem projetos em franco andamento, estes precisam de sua sensibilidade, de sua destreza paras os negócios e sem falar que envolve toda a comunidade das imediações. Há todo um projeto social a ser desenvolvido, e não vamos precisar de recursos de terceiros, eis um detalhe que me deixa a vontade para acreditar que juntos podemos oferecer um futuro melhor para estas crianças.

Todas as minhas medalhas, todas as vezes que participei de algo, tudo foi dedicado a você. Esperei tanto por este momento.

Em cada projeto imaginava-a ao meu lado, naqueles instantes em que algo havia para decidir ficava a ouvir sua voz sinalizando em meu íntimo a opção mais correta, a mais acertada, dialogava baixinho e ouvia no ar sua resposta. E sempre fiz tudo da melhor forma e com a certeza de que assim a agradaria. Compreende a dimensão do que falo?

Claro que compreendia, e muito esforço fez para não se emocionar em demasia, mas naquele instante não queria mais falar. Ele estava certo, afinal que teríamos a perder? E quantos poderiam ganhar, pensava em silêncio, Raquel.

Tantas palavras já não seriam mais necessárias, afinal tudo aquilo já era sabido entre os dois, durante todo este tempo percorreram caminhos paralelos e desvios que os afastaram numa convivência diária, apenas falavam-se rapidamente ou encontravam-se nos almoços e reuniões de trabalho como quase acontecera hoje.

Júlio mergulhou delirante as mãos entre os botões abertos da blusa de Raquel, esta sem oferecer resistência entregou-se àquelas sutis e ardentes descobertas. Permitiu-se sentir poro a poro os toques agora reais e tantas vezes imaginados. Seu corpo respondia tão prontamente aos carinhos de Júlio que em alguns momentos sentira-se acanhada.

Ele percebia e dizia: não, Raquel, agora não aceito seus senões quero-a agora como sempre imaginei, este momento não aconteceu por acaso, mas foi escolhido cautelosamente por mim. E mais uma vez, os diálogos perdiam-se das palavras e pronunciavam-se entre beijos, e carícias ousadas onde o corpo sucumbia de forma deliciosa e relaxante.

O tempo passava, uma brisa agradável acompanhava os movimentos dos corpos seminus.

Por sobre a relva Júlio havia estendido uma manta, usada para agasalhar-se em trilhas noturnas, por sob a manta o corpo de Raquel em contorções que interpretavam um prazer indescritível narrado apenas pelos sons, cores e sabores dominados inteiramente por Júlio. Por sobre Raquel a tempestiva paixão agora incontida de Júlio e entre eles uma avassaladora paixão latente por dois anos que parecia não ter mais tempo para esperar e que jorrava entre mãos, dedos, línguas, suores, palavras obscenas como se ambos pudessem recuperar os tantos momentos irremediavelmente perdidos.

Raquel excitada pelas imagens do Haras, sons emitidos dos belíssimos animais e como se não bastassem todas estas emoções, corria próximo dali o riacho de águas calmas e transparentes sem tempo para a demora ou pressa de ir embora, apenas corria.

Feito às águas do riacho, Raquel aproveitava intensamente o momento, pois ele tal como as águas não voltariam naquele lugar e tempo.

Assim, entregara-se feito obra inacabada as mãos hábeis e sedentas de Júlio, estas a desvendarem voluptuosamente, e não houve vales, cumes, veredas que não tenham sido desvendados, aquela relva era o palco perfeito para contemplar as milhares de estrelas que agora já piscavam timidamente na noite, mas ainda estava sobre a relva úmida aquela que ele elegera eternamente a sua estrela guia.

E foi-se mansamente o fim de tarde num por do sol, que de antes, belo e melancólico, ardia em meio à pradaria verde emoldurando a beleza de corpos que cavalgavam em chamas de paixão, gemidos, sussurros. Palavras desprovidas de censura riscavam em sons calientes e em coro com o resfolegar dos cavalos. A natureza mais que testemunha daqueles momentos, tornara-se cúmplice.

E nesta imagem tridimensional de cores, sons, e beleza o dia entregava-se prazerosamente à noite.

Num êxtase interminável, tal qual a espera, os dois tremiam colados, unidos pelo desejo da espera, num clímax a altura e selado por um profundo beijo.

Foi-se a tarde e muitos momentos assim repetiram-se, com o passar do tempo o Haras cresceu cada vez mais, tornou-se o maior da região, Raquel e Júlio tornaram-se uma lenda, vivida intensamente e com a sempre cumplicidade do cavalgar dos dias, e da beleza estonteante de Odalisca e Moonshine.

Horses Empire tornou-se o maior representante do país das raças Andaluzia e Árabe, a mesma raça de suas apreciadas montarias. Afora todos os prêmios ganhos com cavalos de raças, todo o empreendimento era mundialmente conhecido pelo grande trabalho desenvolvido em parceria com a comunidade.

Raquel à frente das grandes negociações com Júlio. Nas horas vagas os dois esqueciam-se de toda a loucura que era esta correria frenética dos negócios para serem os dois a própria loucura numa paixão que mesmo com o passar do tempo não acalmava e era sempre avivada pelas fortes imagens presentes no dia a dia do Haras e num momento faziam sede no outro a saciavam e em meio a tudo isso uma genuína e merecida felicidade.

Clivânia Teixeira
Enviado por Clivânia Teixeira em 24/04/2010
Reeditado em 30/04/2013
Código do texto: T2215890
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