UM SERTANISTA NA PAULICÉIA DESVAIRADA

Um sertanista na paulicéia desvairada.

Quando cheguei das Gerais, a primeira coisa que vi foi gente. É gente demais!

Eu ali no centro da cidade, parado, vendo aquele corre-corre. Sem ter pra onde ir, sem ter o que fazer, entrei num bar e danei a beber. Tomei logo um porre.

Lá na minha terra tudo é mais tranqüilo. Qui que era aquilo... Um entra e sai naquele boteco. Mas esperto que sou, não vacilo, não dei bobeira. Dizem que aqui em São Paulo, coisa mais fácil é perder a carteira.

Sai do bar, mas pra lá do que pra cá. Segui meu caminho cheio de fome, sono e frio. No bolso, quase vazio, pouco dinheiro. Precisava achar um pulgueiro que tivesse ao menos banheiro, colchão e travesseiro. Precisava dormir para estar bem no dia seguinte, procurar trabalho, um bico, um quebra-galho. O importante é render um cascalho.

Pensei em ficar por aqui um mês. Achava que era tempo suficiente pra arrumar um bom trampo, dizem que aqui em São Paulo é mais fácil, rapidinho me levanto.

Cheguei num tal largo do Paissandu. Rapaz, ali eu vi de tudo. Matei minha fome com um tal churrasco grego. Paguei um real e ainda ganhei um suco.

Saciada a fome que me consumia, continuei andando. Me chamou a atenção uma galeria do outro lado da rua. Só tinha gente de preto. Rapaz era cada cabelo. Tinha todo espetado, amarelo, vermelho... Tinha mulher de batom preto, com um monte de corrente pendurada no cinto e homem com mais de dez brinco. Tudo sentado no chão, e não conversavam não, ouviam um rádio com uma barulheira dos diabos. Fiquei curioso, cheguei mais perto, e no intuito de puxar conversa, fui logo sorrindo:

- Fala moçada, que visual maneiro, muito chique, muito lindo...

Rapaz, e não é que os caras levantaram e começaram a me encher de porrada. Até a mulherada, umas bota do exército com bico de aço... Rapaz que cagaço... Era chute de todo jeito, na cabeça, nas pernas, no peito... Logo eu, que nunca gostei de briga, pra essas coisas sempre fui fraco... Só deu tempo mesmo de proteger os zóio e o saco.

Foi mais de dez minutos até chegar a polícia. Os caras saíram correndo, ninguém foi preso. Eu com uma puta dor no corpo, quase morto, ainda tive que explicar pro policial o que havia acontecido. Eu ali sentado no chão, todo fodido, cheio de dor, E o guarda me olha cheio de razão:

- Foi xenofobia.

- Deixe de putaria.... Não seja ignorante. Eu sei bem o que é isso. Sou letrado, estudado e formado, não sou nenhum menino. Sou da terra de Drummond, Adélia Prado, Fernando Sabino. Eu sou brasileiro, tanto quanto ou mais que eles. Eu estou na minha terra, um deles é que vestia uma camisa com a bandeira da Inglaterra. Outro tinha uma suástica tatuada no braço. E o senhor vem me falar de xenofobia. Ta pensando que eu sou palhaço?

O cara cismou de me prender. E como se tudo fosse minha culpa, eu é quem tive de pedir desculpa.

Me livrei da polícia e segui meu caminho. Subi uma tal rua Guainases, ouvi uma gritaria. Procurei jogador famoso do São Paulo, Palmeiras, Corinthians. O jogo era outro. No meio do caminho tinham várias pedras. Vi muitas crianças que sem ter Disneylândia, faz a festa ali mesmo, na Cracolandia. Dei meia volta, corri.

Continuava minha caminhada quando parei num susto. Parecia uma miragem. Ali paradinha em frente uma garagem. Maria. Que não parecia santa, mas com um olhar que encanta. Fiquei quieto parado, sem fazer nenhum barulho... Quando ela sorriu me aproximei. Falei, conversei, contei tudo que passei. Ela, sorria, piscava e dizia: Vem comigo.

Foi amor. A primeira a vista.

As outras duas vezes em que trepamos, estou pagando até hoje. Maria bondosa que era parcelou em cinco vezes.

Agora, depois de tanta decepção, vou voltar para minha terra. Só eu sei quanta maldade encontrei na terra de Mário de Andrade. Se soubesse que teria experiência tão dolorosa, não teria saído do sertão de Guimarães.