Admiração não é Amor. 

Uma noite, passei sob um viaduto e ouvi uma linda voz que cantava um trecho de ópera. Fui até o local, onde um homem se sentava no chão, encostado numa coluna. Parou de cantar quando percebeu minha presença. Com firmeza eu lhe disse que tinha uma belíssima voz.


- Obrigado. É a única coisa que me restou.

- Se o senhor quiser me dizer o porquê, eu estou aqui para ouvi-lo.

- Há muito que não encontro ninguém para conversar. Minha história é longa, mas vou abreviá-la. Sou um tenor, fui um grande tenor! Cantei até no exterior. Certa noite, eu conheci uma fã que me seguia por onde eu fosse me apresentar. Sempre estava sentada na platéia para me ouvir cantar. Passamos a viajar juntos às cidades e estados. Ela estava sempre perto de mim, em todas as apresentações. De pronto entreguei meu coração e passei a amá-la loucamente. Uma noite ela não compareceu, mal consegui cantar. Fui procurá-la e soube que havia viajado aos Estados Unidos para se casar. Eu me desesperei, ela era tudo para mim. Não conseguia mais me apresentar como antes. Comecei a beber demais. Acabei sendo substituído e afastado da companhia teatral. O dinheiro se tornou escasso e estou morando em baixo de viadutos. Quando a conheci eu estava só e carente. Confundi sua admiração, sua empolgação, com amor. Isso foi uma enorme tolice que acabou com minha vida. E maior tolice seria eu tentar remendar o que restou, porque farrapos não pegam pontos. Hoje somente tenho minha voz para ouvir.

Ele voltou a cantar e eu fui embora chorando.

OBS. O que acabo de relatar aconteceu perto de onde resido, onde há esse viaduto.
Deyse Felix
Enviado por Deyse Felix em 12/05/2010
Reeditado em 30/12/2016
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