NINGUÉM PERDE O QUE NÃO TEM - Normanda ( Lia de Sá Leitão)

Mais uma vez ela adentra no quarto de banho sem muita vontade de nada, abre o chuveiro e deixa a fumaça tomar o ambiente, senta-se na tampa do vaso sanitário e fica como Pensador, sente até um certo prazer na posição de olhar o quase nada, questiona a eterna curiosidade das portas fechadas, todo armário de banheiro possui porta fechada e nunca tem nada ali de valor, todos os baús de roupas sujas tem tampa, mas ninguém questiona que roupas estão ali. Não tem graça olhar o box, é vidro, tudo às mostras mas todas as portas fechadas são interessantes. O que dizer com as próprias portas? Sempre fechadas rangindo sem óleo, fazia tempo que não abria uma brexa, mas qual o motivo de abrir uma porta se sempre tinha alguém curioso para olhar, tirar as coisas do lugar, revirar os espaços ocupados de velhas lembranças, cavoucar o que já estava com cheiro de mofo, levantar ácaros naquele cantinho e sair. Será que as visitas que frequentam as nossas casas vão abrir as portas do armário do banheiro para ver qual o uso dali? Assim como alguém pode deixar abrir alguma porta que escondemos a chave, mas esquecemos por um motivo ou outro de dar a volta na fechadura. Qual o sentido daquele mistério?

O quarto de banho estava tomado pelo vapor gotículas desciam como uma lágrima do seu rosto imparcial, de olhar parado num ponto que nem era o azuleijo azul e sim a alma. Sentiu um calor de sauna agressivo porém relaxador. Levantou-se sem muito entusiasmo, tirou calmamente a blusa, os shorts, a calcinha, do mesmo jeito que não se está com vontade de sonhar mas se tem que sonhar para não morrer. Assim, ela estava ali, nua, olhando a água em cascata. Nada se misturava, nem fantasias, nem desejos, tudo era apenas um corpo nu molhado a ensar em portas que deviam ter ficado fechadas e que tinham se escancarado para mostar o quê? Paixão, bem querer, vontades, só não podia ser amor, o amor é leve, é suave, é folha que plana ao mais leve toque da brisa, é o próprio ar invade o espaço. Fez um risinho de quem vê a consciência do mundo ironicamente acertar os ponteiros das horas, só o tempo vence a máquina que pensa a realização do momento sem questionar o motivo pelo qual se deixou a porta aberta.