Encontro no Porto

O dia amanhecera há pouco, o frio era intenso, apesar de uns tímidos raios de sol que teimavam em riscar o horizonte.

Escolhi aquela pensão por ser perto do mar e em pouco tempo poderia chegar ao cais.

Este ambiente caótico de barcos indo e chegando, sempre exerceu sobre mim um grande fascínio.

Gostava do frenesi estampado nos movimentos rápidos, nos guindastes indo e vindo.

Era um dinamismo que expressava para além dos movimentos peculiares das atividades, os elos, as relações que uniam os mundos e suas gritantes diferenças.

Via-se tudo isso nas marcas dos rostos daqueles homens, tantas nacionalidades, tantas histórias.

Recostei-me na amurada e lá do alto via a tudo e a todos sem que se apercebessem de mim.

Minha atenção voltava-se desde ontem para um barco em especial de tamanho médio, parecia ser um barco para estudos do mar. Havia lá mulheres e homens, de longe percebi que alguns falavam minha língua.

Entre o emaranhado de caixas e cordas, desenhava-se aquele viver. No convés, agora repleto, uns sentavam, alguns saiam, pelo pouco que apreendi vinham de uma missão.

Ao fundo do barco percebi alguém, um homem moreno algo em torno de 40 anos, cabelos curtos e jogados além de estranhamente grisalhos para a pouca idade. Olhei-o com uma intensidade tal que meus olhos pareciam-lhe queimar as costas, virou-se e olhou-me por cima do ombro.

Não consegui desviar o olhar... Ele virou-se e pacientemente fitou-me, seu sorriso chamou-me a atenção, desenhava-se naquele rosto uma paixão pela vida que eu própria buscava naquele ambiente.

Recuei, fiz menção de sair, mas ele em vários saltos rapidamente estava ao meu lado. Agora mais de perto senti toda sua energia.

Simplesmente, quando me apercebi estávamos caminhando de mãos dadas numa praia qualquer, onde falávamos de tudo e de nada... Ele era sociólogo e concluía um estudo sobre a vida daqueles que trabalhavam no mar.

Em gestos simples e de poucas palavras nos cumprimentamos.

Andamos até nos afastarmos dos burburinhos do porto, agora tudo estava tão calmo, desenhava-se ao longe uma espécie de taberna a beira mar.

Logo chegamos e lá ele falou com o velho casal, já se conheciam, eu fui tão bem recebida quanto ele, códigos que se estabeleciam, e era assim não importava o quão estranha eu era, mas sim o fato de estar com ele isso me conferiu todos os direitos à bela acolhida.

Já se fazia tarde na manhã, estávamos esfomeados e serviram-nos uma sopa de mariscos.

Conversamos todos, ele, sempre o alvo das atenções, observava, não quis interromper a cumplicidade que havia entre eles e depois era aquela uma grande oportunidade de conhecer mais rápido a vida daquele moço que tanto me fascinava.

No entanto, percebi nele uma certa alegria por me sentir tão bem e tão aceita por aquele casal. Eles me contavam histórias de vidas passadas e fatos corriqueiros típicos daquelas paragens. Finalmente um momento ímpar que se desenhava ao acaso, muito próprio de quem se deixa levar por certas energias na busca de si mesmo, era, portanto, algo próprio do meu ser.

O senhorio saiu e voltou, dizendo que tudo estava pronto que lá poderíamos descansar e até pernoitar se quiséssemos.

Ele me olhou sem nada falar, apenas avaliando minha reação, daí senti que se não aceitasse não haveria problemas, mas para meu próprio espanto dei de ombros, estava para tudo o que o instante me oferecesse, longe estava a vida louca de executiva em tempo integral, finalmente férias, imaginei que poderia a tudo me permitir e como se não bastasse depois me senti bem entre aquelas pessoas.

No final desta casa havia um espaço grande coberto por uma palhoça, aonde era ainda possível ver o mar, deitamos nas redes muito próximas numa altura tal que podíamos balançar com nossas mãos.

Neste movimento de conversas acabamos por adormecer.

Já era noite, acordei numa penumbra agradável de um candeeiro, por detrás daquela luz um olhar mesclava-se ao meu, e uma voz máscula, penetrante veio aos meus ouvidos... olá moça!

Apenas sorri, espreguicei-me e saltei rápido da rede, desequilibrei-me e cai com um pé meio preso as varandas, justo por sob seu belíssimo corpo.

Não respirei, levantei o olhar ao revés, a pele dele ardia sob minhas mãos geladas, paralisei e despertei do transe por sua sonora gargalhada, perguntou-me se estava boa àquela posição?

Estava eu com as mãos apoiadas em seu peito, o pé ainda preso na outra rede e a outra perna ajoelhada no chão, não me apercebi do tempo que passava.

Caímos os dois a rir do momento, ainda bem, desta forma disfarcei meu embaraço por aquele descuido que me jogara de forma mágica nos braços do estranho, e me dei conta que já não o era mais tanto assim.

Na tentativa desajeitada de levantar os dois, foi pior, por que a proximidade foi tal que ao levantarmos estávamos colados, inevitável com toda aquela energia, logo senti meu rosto preso em suas mãos, seu olhar mergulhado ao meu e minha boca presa a sua.

O que parecia um momento leviano e impensado desenrolou-se num sensacional instante onde o tempo e o lugar eram nada diante das suculentas emoções que desfrutava ao longo daqueles movimentos de corpos.

Abracei seu dorso nu, colei meu corpo ao dele, e me permiti ir naquele beijo absoluto por entre sabores que nunca antes havia provado. Em cada movimento entranhava-me àquele corpo e o meu era um amontoado de reações que eu até então desconhecia, mas desfrutava e julgar pelos olhos de meu companheiro retribuía a altura.

Éramos um só abraço, braços em enlace e pernas numa invasão cúmplice de mais e mais, mas que mergulhavam insinuantes por entre todas as minhas ânsias de prazer, como quase que a adivinhá-la.

Mãos que deslizavam sofregamente por todo o meu corpo e à medida que se afastavam deixavam as sensações embriagantes que se somavam e latejavam em minhas entranhas prestes a explodir.

Meu quase prazer entre mãos, bocas, línguas, toques, eu brigava contra o próprio tempo por mais e a sensação iminente de prazer era interminável.

A noite adentrou-se, passo a passo, caminhos de roupas foram desenhando o chão. Estávamos nus numa frenética descoberta de sensações.

Meu corpo ardia na chama daquele olhar enigmático, aquela boca que mal expressava um sorriso e gestos absurdamente tentadores a me buscar onde quer que os devaneios me levem...

Adormecemos o corpo e encerramos na memória momentos que o tempo não apaga e que de alguma forma registram-se em nosso íntimo por códigos que só a pele entende.

Agora, tudo isso era uma doce recordação, naquele lugar continuava tudo igual, só os anos passaram-se e aquele momento ressurgia novamente em minhas mãos num abraço repentino de uma garota morena de olhos mágicos que se jogava sobre mim e dizia: mamãe olha só o que encontrei.

O pai morrera sem conhecê-la, após o encontro onde decisivamente unimos nossos corpos e nossa vida em comum em planos de enlace, partira para uma missão no mar do norte, seria a última e de fato foi... Lá o barco envolvido pelas típicas tempestades, naufragou, não restou ninguém.

Desde então, todos os anos volto ao mesmo local, ficamos hospedados na taberna do velho casal e desfrutamos momentos mágicos, onde quase é possível tocar a presença daquele que nunca mais e por nenhum motivo nem mesmo pela morte trágica eu percebi ausente de mim.

Aprendi a ser feliz e encerrei em meu íntimo a certeza de que um dia estaríamos todos juntos.