O ASSALTO

Entre idas e vindas, somando tudo, morei cerca de 20 anos em Porto Alegre e em duas ocasiões tive o carro arrombado. Na primeira vez, perdi todo o sistema de som. Sobrou o equalisador que ficava a esquerda do volante e não foi percebido. Em outra ocasião, perdi uma mochila com uma Nykon, 3 objetivas, documentos e alguns rolos de filme. Mas nunca fui vítima de assalto a mão armada. Wicky, ( se autodenominava assim, pois não gostava do nome de batismo) O apelido provavelmente inspirado em uma top model americana daquela época conhecida por este nome. Era uma das minhas principais modelos fotográficos. Tinha presença constante nos catálogos de um de meus principais clientes. Dona de uma beleza exuberante e de uma fotogenia singular, seus traços levemente asiáticos a tornavam sensual e atraente. Parecia adivinhar os meus pensamentos e era sem dúvida fácil de dirigir em qualquer situação. Eu a dirigia simplesmente com pequenos gestos com a mão ao que ela respondia com precisão. Além disso, era criativa ao postar-se para a cena, com perfeito domínio de expressão. Era sonhadora e um tanto mística. Afirmava ver fadas e duendes. E acreditava na existência desses personagens de contos de fadas. Sua própria vida pode ser resumida em um conto de fadas. Teve uma infância extremamente pobre e lutou muito. Conseguiu firmar-se sem dúvidas, devido a beleza que a privilegiava. Naquela época namorou um dos modelos masculinos e daí resultou uma bela menina, hoje casada e dona também de uma beleza indescritível. Mas o rapaz a abandonou grávida e levou anos para reconhecer a paternidade da filha. Foi ajudada por amigos durante a gravidez, período em que se afastou do estúdio. Em 82 vendi o estúdio e a vi pela última vez, quando me visitou em meu apartamento. Depois disso, soube mais tarde que havia casado e mudara-se para outro estado. Não soube notícias suas durante muito tempo. Mantenho uma página no Orkut, porque tenho ali vários amigos e parentes com quem mantenho contato. Cerca de 4 meses atrás, fui surpreendido por duas solicitações de anexação do programa, a primeira, de São Paulo, a personagem do conto “A VENCEDORA” publicado no Overmundo. Vive ainda lá e tem duas lindas filhas. A segunda solicitação era dela, Wicky, aos 50 anos ainda mantém a mesma beleza, conservada segundo os amigos em formol. Incrivelmente aparenta ter no máximo 30 anos, apenas quando ri, algumas rugas aparecem em volta dos olhos. Entramos em contato e decidi visita-la em Porto Alegre. Havia anexado ao apelido, um sobrenome italiano que me deixou curioso. Telefonei-lhe para marcar o encontro. – Onde você vai ficar? Perguntou. – Ainda não sei respondi vou apenas vê-la e matar as saudades. – Ok! Então você fica comigo aqui no sítio. Rio Pardo fica a cerca de 150 km de Porto alegre e eu pretendia no máximo, passar o fim de semana. Muita coisa mudou na vida dela, como de resto na minha também. Aos 27 anos casara com um rapaz de 19, comerciante de jóias e relógios de grife além de produtos filatélicos. Viveram uma vida de sonhos durante um tempo e conseguiram reunir um patrimônio que inclui um sítio no topo de um morro em Porto Alegre, um lugar aprazível, embora rodeado por uma população típica dos morros locais. Claro que vivendo a 17 anos no local, ela é amiga de todo mundo e respeitada até por alguns marginais locais. Por volta de 1965/66, ao salvar uma cadela abandonada, tratando-a com carinho, conseguiu chamar a atenção da imprensa, merecendo uma reportagem em um grande jornal local. Conseguiu trazer ao Brasil a ex atriz Brigitte Bardot hoje envolvida com atividades ecológicas e protetora de animais. A propriedade de 8.000 m2 ostenta uma casa ampla e confortável. O marido morreu a cerca de 5 anos em um acidente de moto e como era ainda jovem e imprevidente, deixou-lhe o patrimônio e uma dívida de porte. Com a morte do rapaz, ela passou 3 anos no limbo, como costuma dizer. Um quadro depressivo acompanhado por Psicólogos e Psiquiatras., período no qual fez péssimos negócios, vendendo carros que haviam sobrado, por pouco dinheiro. Alguns parentes do falecido aproveitaram-se da situação e dilapidaram o que havia sobrado de estoque e valores na empresa que mantinham. Passamos dois meses juntos e ela fazia planos de montar um jornal. O sítio colocado a venda, segundo ela, pretende trocá-lo por uma pousada em Santa Catarina, o que acho pouco provável. Em certo momento resolveu por conta própria abandonar os remédios e isso complicou bastante. A bipolaridade fluiu e sua personalidade altera-se e alterna-se frequentemente. Consegue manter o sítio e uma Mercedes Classe A, a partir de um ponto no Bric do Parque Farroupilha onde comercializa os mesmos produtos que explorava junto com o marido. Durante a semana, roda bastante, concluindo negócios fechados no parque aos domingos ou avaliando materiais a venda oferecidos no mesmo local. Ela é ótima vendedora e consegue manter a situação apesar da correria. Numa tarde de domingo, cheguei ao Bric, cerca de 16 h, hora em que se encerram as atividades e resolvemos passar no apartamento de sua filha. Então, o inesperado surgiu. Descemos do carro e ao aproximarmo-nos do grande portão de ferro do prédio, quando ela tocava a campainha do porteiro eletrônico, surgiram dois elementos sem que percebêssemos de onde. Um deles estava armado e tomando-a pelo braço bradou, - Passa as chaves do carro! Ela continuou pressionando a campainha irritada com a demora do genro em abrir o portão. Eu estava por incrível que pareça completamente frio e me limitava a observar a arma presa a cintura do lado esquerdo da calça do assaltante, provavelmente canhoto. Eu estava a menos de 2 metros do indivíduo e me concentrava no momento em que tentasse usar a arma. De onde eu estava o plano era jogar-me sobre ele e aí tentar evitar que usasse a arma, a partir daí, contaria coma a sorte. O segundo membro, aparentemente não portava arma. Mas inusitadamente, ela jogou as chaves para o outro lado do portão enquanto gritava, - Estamos sendo assaltados a mão armada! Repentinamente, como que tomados de pânico os dois assaltantes saíram em desabalada carreira rua abaixo. Então finalmente o genro, abriu o portão, não o condeno pela demora. Diante de uma situação como esta, ele tinha uma família para proteger. Bem, sobrou-me procurar as chaves em meio ao jardim do prédio enquanto ela mantinha uma demorada discussão com o genro. Depois de passado o susto, comentávamos o ocorrido.

– Como você pensou em jogar a chave? Ela respondeu,

- Bem, pensei rápido. Se entregasse a chave provavelmente seria feita refén, estuprada e morta. Então decidi que seria melhor morrer lutando. Sabe? Senti o teu astral e percebi que você estava calmo.

– Pois olha, nunca passei antes por uma situação como esta e também estou surpreso com minha própria reação. Mas, fiquei o tempo todo controlando a arma. Se ele tentasse sacar, teria dado um reboliço danado. Ela é professora de Yoga, dança do ventre e medicina holística além de formada em artes marciais. Não sei até que ponto teria sido uma vantagem, caso não tivesse acabado daquela maneira. Lembrando ainda que o porta-malas continha todo o patrimônio negociável, como jóias raras e relógios de grife. Voltei pouco depois para Rio Pardo, já não tenho o pique de outrora para uma vida cheia de imprevistos e o sufoco imposto a seus habitantes pela mui leal e querida Porto Alegre. Mantemos contato e o mais que pode acontecer é trocarmos uma ou outra visita esporádica. Estou agora pensando em dar um pulo até São Paulo. Quem sabe?

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 22/05/2010
Código do texto: T2272856
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