Desejo mudo

Tantas voltas deram nessa vida... Tantas vezes se cruzaram, se tentaram e se desistiram, e nunca conseguiram dormir juntos. Ela sempre sentiu dentro de si ser esta sua grande frustração: jamais ter acordado ao lado do homem que tanto amara.

Já estava idosa, e há muitos anos não sabia do paradeiro dele. Havia desaparecido desde o dia em que ele resolveu que deveriam se esquecer. As coisas nunca tinham dado certo, mesmo; suas vidas haviam sido um eterno ir-e-vir de desejos, desencontros, possibilidades, frustrações... era um “quase” sem fim, que chegava a cansar. Então, ele desistiu. E ainda bem que partiu dele, pois, se dependesse dela, jamais teria desistido.

Ela ainda viveu alguns anos depois disso, amargando para si mesma o fato de nunca ter visto o despertar daquele homem. Lamentando jamais ter acordado do seu lado, jamais tê-lo visto abrir os olhos pela manhã - aqueles olhos que ela tanto venerara e que, de fato, nunca haviam sido completamente seus. Os olhos dele, agora, mesmo que ele ainda estivesse vivo, acabariam por se fechar em definitivo para ela, pois eram os dela que já não enxergavam mais nada.

Ela não podia dizer quanto tempo se passou depois que morrera, mas o fato é que, um dia, sem maiores explicações, ela viu os olhos dele se abrirem pela manhã. Viu seu despertar, viu o sono estampado em sua face, viu quando ele olhou fixamente para ela, e para ela estendeu sua mão... A felicidade estava completa. Achou que estava sonhando, ou melhor, acordando de um sonho!

Mas ele não a tocou; apenas pegou o copo d'água que estava sobre ela, sobre o criado mudo em que ela havia se transformado. Seus desejos foram finalmente atendidos: agora, ele acordaria para sempre ao seu lado. Ou, pelo menos, até que a esposa dele resolvesse trocar a mobília do quarto.