Deus Visita o sertão

O

Sol ardia queimando a terra árida.

Natalino voltava para casa como de costume. A vida no sertão baiano, não tinha muitas novidades, todos os dias era a mesma luta, o trabalho tornava-se mais árduo por conta da seca, e o sol escaldante acabava trazendo ao fim do dia, o cansaço na pele tão castigada, mas não havia o que fazer, e o sertanejo já sabia disso desde a infância, os dias de batalha começavam antes do amanhecer.

Natalino, vivia em Jacobina, e como todo jacobinense, aprendera desde cedo a mexer com o garimpo, era empregado do Sr.Lopes, um paulista esperto que havia se dado bem naquelas bandas, contratando homens e mulheres, para um trabalho arcaico e artesanal e tirando deles seus sonhos e esperanças, mas Natalino tinha uma diferença, Natalino sonhava em poder sair do sertão e conhecer a cidade grande, sonhava em colocar seus meninos para estudarem, e em um dia, quem sabe? Aprender a dirigir um automóvel, e todos os dias, quando fazia seu caminho para casa, Natalino sorria, mesmo com os poucos dentes que tinha aos 30 anos de idade, pensando na alegria de seu sonho um dia se realizar.

Em um desses dias, voltando para casa, Natalino avistou em uma cerca, um senhor sentado com uma moringa de água, natalino estranhou, por nunca tê-lo visto por ali, mas decidiu seguir seu trajeto e não parar para prosear, mas o velho o cumprimentou, o que fez com que Natalino parasse para observá-lo por alguns instantes.

_ Boa Tarde, Moço.

_ Boa tarde... Qual sua graça?

O velho, que por sinal, era muito magro e desdentado também, riu e respondeu Natalino com outra pergunta:

_ Se eu te dissesse que sou Deus você acreditaria?

Natalino começou a rir da cara de pau do velho, e respondeu:

_ Claro qui não seu moço, o que Deus taria fazendu aqui? Não é doido nem nada?

O velho riu da observação de Natalino.

_ Mas e se eu te dissesse que sou Deus, que ouço seus pensamentos e que hoje vim do céu somente para te dar uma dica?

Natalino riu mais alto ainda.

_ Tu tá é ficano pirado coroa, pra começar, nunca ouvi ninguém falar que Deus tinha descido do céu pra atinar qualquer cabra por aqui, e eu não seria o escolhido, não faço nada por merecer a presença de Deus, bebo uma pinga ferrada na barraca do Raimundim, fumo, e ainda arrisco uma zoiada na mulher dos amigo.

O velho, que se dizia ser Deus, ficou de pé, e respondeu:

_ É verdade Natalino, vejo seus defeitos, mas quando fiz os homens, fiz com seus defeitos também, e aprendi a amá-los e o que é mais difícil, a perdoá-los.

Natalino vendo que o velho não mudava de idéia começou a caçoar.

_ Mas deus, lá no céu num tem dentista não? Tu tá sem dente nenhum na boca, e comida, lá por acaso é igual aqui? Falta comida? Tu tá magro igual uma gaiola, dá até pra ver os ossos.

E continuou achando a maior graça do forasteiro.

O velho, ainda de pé, disse ao Natalino:

_ Você acha que eu poderia aparecer pra você como eu sou? Com certeza você não estaria aqui rindo de mim ou duvidando de minha existência, certamente morreria só de olhar para minha magnitude, mas como sou o Deus que perdoa, e amo você do jeito que é, vou fingir que não entendi e vou te dar mais uma chance.

Natalino desta vez ficou brabo.

_ Olha aqui seu Deus de araque, eu sou um cabra muito do macho, essa história de homem que ama homem pra mim é coisa de baitola e só não te arrebento os dentes, por que minha mão vai atravessar sua garganta, por que dente aí não tem mais, trabalho todo dia de sol a sol, pra dar de cumer a mulher e aos minino, e você vem me esperar no fim do dia com essa prosa torta.

Deus que olhava seu suposto filho já com pena pegou a moringa que estava ao seu lado e estendeu em direção á Natalino.

_ Sua chance é essa, acredite ou não, a água que está nessa moringa, foi abençoada por mim e tocada pelos meus anjos, ela te dará em sonhos a resposta que procura para sair desse sertão, basta um gole que quando adormecer saberá aonde encontrar uma pedra de ouro fora do garimpo que vai mudar tua vida.

Natalino olhou para o velho com cara de pena desta vez.

_Olhe amigo, deixe seguir meu caminho, por que já tá tarde e essa conversa tá ficando chata, num vou mais mangar do senhor, e também, não vou mais te dar ouvidos, essa pinga que o senhor bebeu , deve ser das boas, num deve ter nem na barraca do Severino, mas vou lhe avisando, se ficar rodando em jacobina falando essas maluquices, os cabras vão te acertar, ninguém aqui gosta de ser feito de palhaço nem de bobo, muito menos eu, essa água que tu carrega nessa moringa deve de ser mijo de jumenta, e tu tá querendo me pegar, pra depois espaiá, e me fazer de otário, mas dessa vez o senhor se deu mal, por que eu que não vou cair nessa. Sou bom, mas não sou trouxa.

E Natalino foi se embora, resmungando pelo caminho e arrependido de não ter dado uma coça no velhote e ter deixado-o arriado na estrada.

Deus observava Natalino indo embora, e pensava no mal que o próprio homem fez ao homem, tornando as criaturas que perfeitamente foram criadas por ele, em pessoas que não acreditam nos milagres, não acreditam em Deus, e não acreditam nos outros homens.

Nisso veio se aproximando uma caminhonete, coisa rara naquelas bandas.

Deus que estava encostadinho na cerca chegou mais próximo ainda dos arames farpados, com medo de jogarem a caminhonete em cima dele.

O homem da caminhonete deu uma parada bem pertinho de Deus e deu um sorriso mostrando os muitos dentes de ouro.

Perguntou ele á Deus:

_ Como se chama senhor?

Deus pensou em responder Deus, mas já estava desacreditado mesmo e respondeu Emanuel.

_ Sr Emanuel, nunca te vi nesta cidade.

E olha que conheço todo mundo com mais de 18 anos por aqui, e pelo visto o senhor tem mais um pouquinho.

Deus sorriu, com a boca sem dente e respondeu:

_Muito mais um pouquinho, com a licença da palavra.

O Homem disse:

_Me chamo Romualdo Lopes, mas todos por aqui me chamam de Sr.Lopes.

Sr Emanuel, vejo que pela sua idade avançada, é difícil arrumar emprego no garimpo, senão te daria uma vaga, mas vá até lá amanhã, que se puder te encaixo no serviço de limpeza do ouro.

Deus sorriu da humildade do homem em querer ajudá-lo, sem saber que ele era o dono do ouro e da prata, mas respondeu para ver até aonde aquela conversa iria.

_ Está bem, amanhã passo por lá, vou me esforçar.

O Sr Lopes, que era o dono do garimpo, perguntou a Deus:

_Para aonde o senhor está indo? Posso lhe oferecer uma carona.

Deus gostou da proposta, e já que estava passeando na terra mesmo, resolveu aceitar a carona.

Sr Lopes no caminho foi conversando com Deus, disse que Deus tinha sido muito bom com ele a vida toda, e que só tinha que agradecê-lo, vendo que o velho além de magro tinha cara de fome, convidou Deus para tomar uma sopa em sua casa antes de partir, deus prontamente aceitou.

Chegando a sua residência, Deus viu a forma que Sr.Lopes tratava de sua família, e gostou do que viu, quando o jantar ficou pronto, Sr Lopes pediu ao convidado que o esperasse uns minutos, e saiu em direção ao corredor da casa com um prato na mão, Deus resolveu dar uma de sem educação e seguiu o homem até o interior da casa.

Chegando lá, para surpresa de Deus, havia uma jovem acamada, e Deus se aproximou.

O homem vendo que Deus estava no quarto se levantou e disse:

_ Esta é minha menina, teve uma doença ruim quando era pequena e não anda mais.

Deus ficou surpreso com a revelação do homem, apesar de ser o pai de todas as coisas, não se lembrava de ter ouvido a lamentação daquele pai, e resolveu perguntar:

_Lopes, meu filho, você não tem raiva de Deus por sua filha não andar?

O homem olhou para Deus, com o olhar mais sincero do mundo.

_ Nunca, Emanuel, quando minha filha adoeceu, os médicos disseram que não viveria mais um mês e tá viva á 16 anos, e agradeço há Deus todo dia por isso.

Deus que ultimamente ouvia tantas lamentações percebeu que não tinha mais tempo para ouvir os agradecimentos, de tantas reclamações que ouvia.

Decidiu então Deus, colocar a fé daquele homem a prova.

Falou em alto e bom tom.

_ Você acredita em Deus Romualdo?

O homem com os olhos cheios de água disse apontando para a única filha:

_Esta é minha maior prova que Deus existe.

Deus ficou até encabulado com a fé do homem, e insistiu em interrogá-lo:

_ Se eu te dissesse que Deus vem a terra encontrar seus filhos pelo menos uma vez em vida, e pra cada um ele aparece de um jeito, você acreditaria?

Romualdo assentiu com a cabeça.

_ É claro seu moço, quantas vezes vemos pessoas sendo salvas por outras que nunca viram na vida, isso só pode ser Deus na terra.

Deus riu da observação, apesar de dar dons aos homens para fazer o bem e socorrer o próximo de vez em quando ele tinha mesmo que se meter.

E decidiu Deus contar a Romualdo quem ele era.

_ Romualdo, eu sou Deus, vim parar em Jacobina para ajudar uma pessoa muito pobre e sonhadora, para que se livrasse das mãos do patrão que é o senhor e pudesse ir embora do sertão.

Romualdo Lopes olhou o velho intrigado, mas não questionou e antes que falasse algo, Deus falou:

_Acabou que o homem não acreditou em mim, e aqui nessa moringa que carrego, tem água abençoada por mim e tocada por meus anjos, para fazer o senhor dormir e sonhar com o lugar aonde encontrará uma enorme pepita de ouro e poder dar dias melhores a sua família.

Romualdo Lopes olhou para Deus e disse:

_ Eu queria que minha filha, voltasse a andar, nem que eu tivesse que não ter nada.

Deus gostou da reposta e disse à menina que olhava a conversa toda espantada.

_Você acredita no amor de Deus por seus filhos, mesmo os que não andam ou passam por outras dificuldades?

A jovem respondeu sem pensar duas vezes.

_Acredito sim, Deus é tudo de bom, ama a todos sem diferença, e como o senhor disse ,acredito que ele passe por cada filho uma vez na vida, como já me livrou da morte e passou na minha, me dando um pai tão dedicado.

Deus teve compaixão dos dois e disse:

_Acredita que se eu te der da água desta moringa tu volte a andar? E mais, Acredita em minha palavra que esta água é abençoada?

A menina pegou a moringa e disse a Deus:

_ Acredito no senhor, bebo até se for mijo de jumenta.

E virou a água na boca, bebendo toda a moringa sem nem pensar no sabor.

O milagre acontecia ali, a menina começou a sentir as pernas e mexer os dedos, Romualdo não se continha de tanta felicidade, correu pela casa para chamar a mulher e quando voltou para agradecer a Deus, ele já havia ido embora, mas sua filha estava de pé no quarto.

A notícia se espalhou rapidamente, e todos queriam saber, quem tinha sido o burro que não acreditou em Deus.

É claro, que Natalino, não falava pra ninguém que o burro tinha sido ele, e agora no caminho de volta pra casa, ao invés de sonhar, Natalino fica á procura de Deus no caminho, com a esperança de um dia voltar a encontrá-lo, mas Jacobina nunca mais voltou a ser a mesma, a história de que Deus aparece pelo menos uma vez pra cada um, fez com que o povo daquele lugar se tornasse mais amável com os estranhos e visitantes.

Moral da história: Sonhos podem se realizar, só depende de você acreditar.

Izabelle Valladares Mattos
Enviado por Izabelle Valladares Mattos em 27/05/2010
Código do texto: T2282961