** Dogs **

Em meus sonhos uma cena sempre se repetia: eu estava frente à uma escada infinitamente grande, seguindo para o céu. Apenas uma vez eu tive coragem de contar para alguém esse sonho que me atormentava, mas ninguém deu muita atenção. E aquela imagem me deixava sempre curioso, mesmo depois de tanto sonhar a mesma coisa, não conseguia decifrar nem mesmo achar um sentido para aquela cena. Eu ali, incapaz, imóvel, e a escada gigante como que a me devorar de dentro para fora. Que mal uma escada irreal poderia me fazer? Aparentemente nenhum. E o sonho se repetia, incansável. Talvez quisesse significar a vida, simplesmente. A vida interminavelmente chata e monótona que nunca mudava. Nada acontecia de interessante em minha vida. Nada mesmo. Pode parecer estranho, mas tudo era realmente chato, e nada era capaz de mudar meu humor. Pessoas que não me conheciam não imaginavam que meu íntimo era negro como a madrugada mais tempestuosa que já existiu. Dentro de mim não existia nada, e eu tinha plena consciência disso. Me dava bem com aquele vazio imenso, conseguia conciliar o mundo real com tudo o que eu esperava dele, e tudo aquilo que nunca chegava. Por mais que eu buscasse algo inovador, nada era o suficiente para alegrar minha vida. Algumas pessoas ficavam preocupadas e me diziam que eu precisava sair, viver, aproveitar a vida, mas eu nunca acreditava que tinha algo ali para ser aproveitado. E de tanto pensar no sonho e na escada interminável, concluí que ela não passava de uma metáfora da minha vida; degraus que não levam a lugar algum. Eu tinha desejos de sair daquele lugar, viver longe de tudo e de todos, só isso parecia que iria completar meu vazio. Nem mulheres, nem baladas, nada. Eu poderia beber e mascarar a dor, mas no dia seguinte ela estava lá, no mesmo lugar, olhando para mim e me castigando. O vazio em meu peito ria de mim a cada tentativa frustrada de preenche-lo. Não havia como me livrar daquela escuridão. Eu gostava de cachorros, então busquei a amizade verdadeira em um deles. Meu único companheiro leal até hoje, nunca questionou minhas atitudes nem tampouco minha solidão forçada. Eu me excluí da vida das outras pessoas, me excluí desse mundo aí em que vocês vivem e pensam que são felizes. Simplesmente por que eu nunca consegui entender como vocês gostam tanto de levar vidas sem sentido algum, e pensarem que são felizes. Eu nunca pude me sentir feliz com as migalhas que a vida me dava, mas também não esperava que ela fosse me oferecer alguma coisa além. Meu cachorro comigo agora, olha em meus olhos e me compreende. A tristeza toda se condensa e forma uma bolha que me envolve e me protege de todo o resto, de tudo aquilo que eu não quero viver. Ouço Pink Floyd, e mais nada. Passo agora a me sentar na janela diariamente e observar seres humanos iludidos com a pouca felicidade que tem, e ainda não consigo entender. Minha vida passou sim, eu sei, mas ela não passa para todos? E como poderia ter sido melhor? Não existia outro caminho, a não ser que eu subisse a escada, mas eu me recusei a viver um degrau de cada vez. É um novo amanhecer para mim. Da janela posso sentir o calor do sol em meu velho corpo, cansado e decrépito. Sou o anjo caído que uma vez alguém citou. Sou o velho arruinado que mora sozinho com seu cachorro em frente ao mar e ouve sempre a mesma canção. E não queria ser nada além disso que sou agora. Talvez eu seja alguém diferente quando contarem minha história, mas já não estarei aqui para conferir. Nem mesmo meu cachorro, pois sei que, quando meus olhos se fecharem, os dele me acompanharão, e nossos corações terão o mesmo ritmo ao galgar os últimos degraus daquela escada misteriosa.

Joana Masen
Enviado por Joana Masen em 27/05/2010
Código do texto: T2283556
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