O Moço da História (Segunda Parte - A vida em Ocean Dream)

Havia em Beatriz uma incapacidade momentânea de processar o presente, já fugira o quanto pode destas sensações tão conhecidas, mas enfim eis que o destino começa a se revelar em surpresas.

Levou certo tempo até tomar a decisão de largar tudo e montar àquele espaço, estava agora longe da civilização, mas ali conseguia pouco a pouco realizar sonhos a partir dos ideais de todos que lá viviam.

Já passavam das oito, e logo uma Mary afogueada entra no quarto.

Sim, eu já sei todos devem estar reunidos na sala a minha espera.

Mais do que isso, Jorge, nosso novo hóspede já desceu, Lia não quer se recolher, diz que só vai dormir quando o moço lhe contar estórias e sabe o que ele disse a ela?

"Olha só delícia não fique preocupada, essa história ai que deseja saber ainda tem muitos capítulos a serem escritos, mas com certeza você já faz parte dela".

Eu não entendo mais nada menina, tudo parece estranho nesta casa. Primeiro reformou o tal loft, decorou de uma forma que até parece que já tinha dono, por muitas vezes a estalagem esteve cheia, nunca permitiu que ninguém o ocupasse e agora está lá o tal moço muito bem instalado.

Mary tinha razão, já não sabia o que dizer, simplesmente sai da água e os planos de dormir cedo escorregaram pelo ralo junto com a água do banho.

Logo se ouvia o barulho advindo da sala, todos pareciam animados, foi fácil descer a escada desapercebida ou ao menos seria se não fosse o estardalhaço da Mary.

Pronto, enfim trouxe a mocinha, sentem-se todos.

Quando vai aprender a não atrasar menina? Dissera ele, mais uma vez, uma Mary atônita me olhava , balbuciando as palavras ditas por Jorge, ele parecia tão íntimo e tão conhecedor de meus hábitos, era compreensível que ela estranhasse.

Apenas sorri e dei a todos boa noite e me fiz de desentendida.

Todos a postos conversando animadamente enquanto jantavam, Daniel, Nanda, falavam com Jorge sobre o projeto que mantinham para a comunidade local administrada por mim..

Quando ali cheguei, resolvi que deveria ser feito um trabalho mais amplo sobre o ponto de vista social. Coloquei um anúncio e os dois responderam médicos recém formados, ficaram encantados com meu projeto. E hoje onde antes começara com um simples ambulatório já havia um pequeno hospital.

Outros vieram e a equipe já tinha aproximadamente 20 profissionais, afora os habitantes do local. Estranhamente todos tinham algo em comum havia neles um desejo de se dedicarem à comunidade de se sentirem úteis e não apenas ganhar dinheiro fácil, afinal não eram voluntários, o projeto tomou dimensão organizada, além da sustentabilidade gerada, conseguíamos donativos, inclusive de comunidades estrangeiras.

Além do que a terra muito próspera produzia. Aqueles que trabalhavam com a agricultura, tinham o bastante para si e comercializavam as sobras e estas eram muitas, graças às modernas técnicas introduzidas por Sebastian, um espanhol que concluíra seus estudos em Israel e tinha grandes conhecimentos de irrigação, assim parte da renda era revertida para um fundo onde tudo retornava em benefícios coletivos tais como: saúde, educação, moradia, lazer.

E entre eles foram surgindo outros profissionais, e dessa forma todos exerciam bem seus papéis e iam fixando morada, era um sonho que tive a muito e que agora via realizado.

Jorge ouvia a todos extasiados, a esta altura estávamos todos na varanda, Lia sentada em sua perna, ouvindo-o contar suas histórias. Mary boquiaberta não conseguia tirar o olhar dele, a noite estava linda e incrivelmente todas as estrelas reuniram-se como a contemplar àqueles personagens que eu se não fizesse parte dizia terem sido todos tirados de algum livro.

Um a um todos foram se recolhendo, era sexta, não havia muito trabalho no sábado. Alguns viajavam iam a localidades vizinhas, ou mais distantes um pouco visitar parentes, namorados, enfim normalmente ficávamos praticamente sós ali.

Jorge me olhava fixamente, desmontava diante disso tudo, ainda bem que ninguém percebia, exceto Mary, que saia resmungando e carregando uma Lia sonolenta pelo braço.

Antes de sair meio que arrastada, olhou e disse: Jorge! Promete que amanhã vamos à praia não é?

Claro delícia, vou mergulhar com esta sereia por que não convida sua mãe?

A minha mãe adora o mar, ela sempre mergulha, sempre presta atenção em tudo relacionado à natureza, mas o mar é a coisa que ela mais gosta depois de mim.

Ela também escreve lindas histórias sobre o mar, peça que ela mostra depois, e saiu bocejando, carregada pela mão da impaciente Mary.

Todos já se foram de onde estava, pude sentir seu olhar, detive-me agora sem medo a examiná-lo, parecia absorto, os cabelos curtos um belo perfil, eram traços de muitas histórias que marcavam delicadamente a pele morena, não ousava falar.

Você está de parabéns, belo projeto está desenvolvido aqui, eu não poderia esperar algo diferente de sua pessoa, dizia-me ele.

Mais uma vez comentários como se já me conhecesse, é engraçado, mas eu tinha a mesma sensação, só não lembrava dia nem hora certa nem um lugar que pudesse ter trocado qualquer palavra com ele, estranha sensação e, no entanto é como se ele estivesse apenas se acomodando, parecia já existir em minha vida, parecia ser apenas uma continuidade de algo já iniciado.

À noite avançava madrugada adentro, todos se recolhiam, eu também achei melhor me despedir e foi o que fiz, sem muitas palavras desejei ao estranho cavalheiro uma boa acolhida, ele nada falou apenas me olhou com seus olhos frios, cinzas e penetrantes, e seu sorriso meio de lado. Pensei comigo mesmo, que belo moreno fui arranjar para hóspede...

(Continua)