A PERNA CABELUDA

A PERNA CABELUDA

Hoje estou com mania de escrever sobre coisas fantásticas. Talvez seja porque vou começar a ler Frankenstein, de Mary Shelley. Só li o prefácio e parei para outras atividades. Não gosto de filmes de terror em sua maioria. As exceções são os baseados no mítico conde da Transilvânia. Uma dessas produções é Drácula, de Bram Stocker. Confesso que os vampiros são bem interessantes. Sugam sangue para manterem-se vivos, mas continuam eternamente mortos. Ainda por cima fazem outros vampiros após suas mordidas. A maldição não acaba. Somos meio vampiros. Antropófagos? Provavelmente. Eu mesmo estou faminto por histórias novas. Esta que vou contar foi sugada de uma senhora quanto ainda não era uma defunta. Dei só uma mordidinha de leve. Nem bem cheguei a extrair todo o enredo, fui interrompido por um desses Van Helsen espalhados pelo mundo a caçar quem gosta de arte e beleza. Ela foi embora com pequenas incisões em seu pescoço. Nem cheguei a atingir sua artéria. Só arranhei a pele. Por isso não vive mais. Ficou infeccionada e morreu. Coitada. Poderia estar entre nós contando sobre a perna cabeluda.

Prometo contar tudo da melhor forma que minha imaginação puder. O que não souber, garanto inventar para te deixar bastante incomodado com essa perna cabeluda.

Dona Tricotômica (nome inventado para preservar a identidade da falecida) em outros tempos apanhava água para os seus afazeres domésticos no poço da minha casa. Ela vinha sempre com vestido fino em cima da pele, o que contrastava com o padrão daqui de casa naquele tempo. As mulheres da minha família usavam tecidos mais encorpados, que impediam, mesmo molhados, a visão das formas de seus corpos. Dona Tricotômica e uma de suas filhas não. Retiravam do poço o precioso líquido. Enchiam as latas e se encharcavam também. As peças colavam na pele e mostravam as formas de seus quadris e o volume dos seus seios. Não raro estavam sem peças íntimas. Achava interessante seus braços cheios de pelos. Seu rosto tinha uma penugem só revelada quando a observávamos de contra a luz. E suas pernas, evidentemente também eram cabeludas. Esses pelos eram bastante escuros. Contrastantes com sua pele muito clara. Não estou querendo ser indiscreto, mas também não depilava as axilas. Incrível é o conjunto ser atraente e extremamente feminino apesar dos pelos serem mais fartos do que os meus na época. Penso que ela percebia meus olhares curiosos de garoto sem vergonha em surtos constantes de timidez. Um dia ela parou e não me lembro mais como tudo começou. Só sei que foi a primeira vez que tive um contato tão íntimo com alguém.

Ela parou na minha frente. Eu era praticamente do seu tamanho apesar de ser muito mais novo. Na realidade, tinha idade para ser seu filho. Arrepiei-me todo. Estava sem ninguém. De vez em quando faziam isso. Saiam todos e me deixavam para trás tomando conta da casa. Nunca fiquei tão feliz por estar sozinho. Ela colocou a mão no vestido de seda cor de goiaba madura. A fruta estava no ponto. Torceu o pano num movimento sensual. Sentou-se com as penas abertas. Meus olhos já estavam esbugalhados e quase saltando das órbitas. Nervosismo. Meu short de tecido grosso ficava cada vez mais apertado. “Você está olhando para mim, bichinho?” Gaguejei. Emudeci. “É que suas pernas têm pelos e eles aparecem embaixo do vestido”. Ela então passou a me contar porque não raspava as pernas como as mulheres daqui.

A história aparentemente me acalmou um pouco, mas meu short ainda estava apertado. Meu raciocínio era divergente. Ela me falou que na sua terra (omitida por mim de propósito) as moças sérias não raspavam seus corpos. Isso era considerado coisa de mulher da vida. Todas que se prezassem tinham de manter seus pelos intactos. Inclusive os cabelos. Somente uma ligeira aparada nas pontas era permitida. Sorte nossa serem as mulheres dessa terra naturalmente sensuais. Não fosse isso, os pelos lhe cairiam muitíssimo mal. Pior para elas seria rasparem-se e sofrerem a ira da Perna Cabeluda.

Era uma assombração sem corpo completo. Havia somente perna. Perna cabeluda vagando em busca de quem se depilasse. Era terrível encontrar na beira das estradas meninas caídas depois de atacadas pela Perna Cabeluda. Algumas incautas molhadas eram sufocadas no jorro da corrente quente nos riachos pela Perna Cabeluda. Era implacável. Pulava cerca. Entrava nos quartos. Amassava os lençóis e saia pela janela. Ninguém detinha essa perna. Subia em telhados, ia pro mato, trepava nas árvores e nas pedras. Passava nas cachoeiras a Perna Cabeluda sempre afoita e pronta a atacar.

Quem pela perna encontrada fosse, passava a viver diferente das outras. Umas ficavam solitárias e tristes. Outras, ressabiadas, passavam a desconfiar de qualquer vulto (cabeludo ou não). Há as que lutavam com a Perna e saiam vitoriosas. A maioria perdia a luta. A Perna as fazia tremer e gemer. Umas uivavam como lobas, outras ronronavam como gatas; sem falar nas que se transformavam em araras ou macacas e saiam de galho em galho enfeitiçadas pela Perna Cabeluda. A Perna Cabeluda não amedrontava a todas porque algumas não acreditavam em assombrações. Dizem também que muitas mulheres passaram a adorar a Perna Cabeluda e seu feitiço.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 01/06/2010
Código do texto: T2292390
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