O BEIJA-MÃO

O BEIJA-MÃO

Não sei seu nome. É um homem relativamente alto. Não tão alto como os adolescentes agigantados de hoje, mas quase da minha altura. Já fui alto em outros tempos. Hoje sou de estatura média. Não encolhi. Os indivíduos é que cresceram em estatura, mas diminuíram em gentileza. Cada dia que passa é mais difícil ver pessoas cumprimentando alguém ao chegar num ambiente ou antes de perguntar alguma coisa. Agradecer para quê? Todos são obrigados a fazer as vontades de quem ordena qualquer coisa. Desculpas por quê? Quem erra é sempre o lesado e o lesionado. O agressor está certo e ainda recebe o apoio dos militantes dos Direitos Humanos. É... O mundo está verdadeiramente mudado para pior. A rispidez e a grosseria reinam legitimadas pela ignorância e alienação. Um caos. No macro e no microcosmo. Essa estado de coisas faz com que haja tanto estranhamento quanto a esse homem magro, de olhos claros e cabelos brancos, andarilho de não sei onde para lugar nenhum em vias alternadas pelo acaso e alteradas pela grosseria. Rotas tortuosas.

Em seu caminho nosso personagem, que ousei chamar de Beija-mão, cumprimenta a todos amável. As mães puxam seus filhos ou gritam para entrarem e não chegarem perto dele. Essas mesmas crianças assistem a filmes com perseguições de automóveis repletas de batidas e destruição do patrimônio das cidades; jogam videogame de lutas sangrentas e acessam sites duvidosos na Internet. Tudo no aconchego do lar e longe da proteção dum adulto responsável. Todos fogem desse homem inofensivo que pede a benção aos adultos e afaga gentil a cabeça das crianças. Não é uma pessoa suja e quando beija alguém o faz de foram rápida e limpa. Não deixa baba no dorso das nossas mãos, único lugar do nosso corpo tocado por ele.

Um diálogo com Beija-mão é impossível. Está sempre em movimento e parece mais interessado em conversar com seus amigos imaginários nas caminhadas. Pensei um dia acompanhá-lo. Precisaria de uma bússola sem norte e de um mapa sem linhas. Teria de carregar o nada no tudo. O tudo no nada. Não sou tão leve assim. Nem tão denso. Ainda necessito de teto, de comida balanceada, emprego e essas coisas todas de gente civilizada. Tão civilizada que se esquece de ser mais humana. Não pede e não dá. Arranca e atira.

Beija-mão pede a benção a quem mesmo abençoado age como se amaldiçoado fosse. Talvez a benção esteja com ele e nós é que deveríamos lhe pedir a intercessão junto aos céus a cada dia.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 02/06/2010
Código do texto: T2295639
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