O PEIXEIRO

O PEIXEIRO

O homem vendia peixes num carrinho-de-mão. Tinha uma família numerosa e o rosto muito estranho. Lembrava-me um gato e um rato ao mesmo tempo. Parecia o vovô vampiro do antigo seriado norte-americano Família Monstro. Já chegamos a comprar seus peixes. Ele também criava passarinhos; inclusive nos ofereceu uma dessas aves.

Hoje estou aqui escrevendo. Atendi a porta. Abri. Ela entrou. Ficou folheando as revistas deixadas sobre a poltrona e conversando comigo. Numa das páginas da Veja havia uma foto de um modelo braquidáctila. Comentamos sobre isso e ela me disse que os lobisomens têm o dedo indicador maior do que os outros dedos. Não sabia disso. Muito menos do Peixeiro lobisomem.

Nunca soube disso porque meu bairro é relativamente grande, com relevo diversificado e população numerosa. As histórias circulam num canto; não nos quatro. Essa é típica do outro lado da Rodovia na parte baixa do bairro próxima ao mar. Conta-se de uma determinada senhora quando ainda não tão senhora assim caminhava por Itaoca com sua filha. Não sei sinceramente o que faziam por lá, mas veio bem a calhar para uma história de lobisomem. Como estava dizendo, uma senhora com sua filha andava pela escuridão de Itaoca à noite quando, de repente, ouvem um grunhido e observam a transformação do peixeiro em um monstro. Ele se despojava no chão agigantando-se numa espécie de cachorro horrendo. Não precisam nem perguntar sobre as mulheres. Evidentemente correram na velocidade dos relâmpagos até sua casa. O monstro não conseguiu atacá-las (Aliás, nessas histórias jamais se alcança o narrador. Curioso. Nunca soube de quem tivesse uma cicatriz pequena que fosse para mostrar ou uma fotografia da criatura. Deixa pra lá. Importa registrar o relato e garantir o conto). Depois disso o Peixeiro sumiu. Quem sabe o encanto acabou. Pode ter sido atingido por uma bala perdida, coisa não rara num confronto entre policiais e bandidos (Difícil é algum policial ter bala de prata e mais difícil ainda algum bandido querer desperdiçar metal precioso num tiroteio). Talvez não veja mais a lua cheia (O céu vive encoberto pela poluição ou pela falta de poesia e de delicadeza dos amantes). Pior ainda. Se estiver vivo e se transformando no cachorrão bizarro, não assusta mais ninguém. Hoje temos outros monstros mais implacáveis e constantes. O velho homem-lobo ficou preso na jaula do passado alimentado pelas lembranças dos de boa memória.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 02/06/2010
Código do texto: T2295646
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