Conto nº 2

Ronaldo mantinha diariamente a mesma rotina, trabalhava como taxista de segunda a sábado das seis da manhã às seis da tarde. O restante das vinte quatro horas do dia e os domingos dedicava-se a cuidar de seu pai, o velho e bom Armindo. Há quatro anos atrás, Ronaldo sofreu dois golpes que mudaram sua vida para sempre. Sua mãe faleceu vítima de um atropelamento, na Rua dos Arcos, no bairro da Lapa, ali mesmo onde morava com o marido e o filho a mais de trinta anos. Ao saber da notícia, seu pai, então com 58 anos, teve um AVC, ficando com o lado direito do corpo paralisado. Até aquele fatídico dia Ronaldo era um rapaz “normal”, com hábitos comuns a um jovem da sua idade, festeiro por natureza, afinal, nasceu no berço da boemia carioca, gostava de sair à noite, ir aos bares, dançar, conversar, tomar umas cervejinhas com os amigos e é claro namorar. O nome de seu amor era Claudia, uma moça linda, inteligente, tinha a mesma idade de Ronaldo. Estavam juntos há um ano e já pensavam em ficar noivos. Porém, quis o destino que as coisas não fossem assim. Em decorrência do AVC, seu Armindo passou a ter outras doenças neurológicas, como mal de Parkinson e Alzheimer. Em menos de dois anos já não andava, tinha se tornado agressivo e as falhas na memória eram constantes, ao ponto de na maioria do tempo não se lembrar mais quem era seu próprio filho. Várias foram às vezes em que Ronaldo, num momento de revolta contra toda aquela situação, questionou a existência de um Deus bondoso. Ronaldo já não saía, não se divertia. O fim de seu romance com Claudia foi questão de tempo. Ela o surpreendeu com a notícia do rompimento justamente no dia em que ele havia comprado um par de alianças para o noivado. A dor foi insuportável, apesar dele compreender perfeitamente os motivos de Claudia. Que mulher cheia de vida, com um futuro pela frente, iria ficar pressa ao lado de um homem que só trabalhava e cuidava do pai doente? Acontece que Claudia, além de seu grande amor, era uma espécie de válvula de escape para todos aqueles problemas. O salário de Ronaldo somado a aposentadoria do pai, mal dava pra cobrir as despesas da farmácia e o pagamento da enfermeira, que cuidava do senhor Armindo durante o dia. Por diversas vezes Ronaldo pensou em colocar o pai num asilo, mas, logo se arrependia da idéia, afinal, como filho único, sempre foi tratado como um príncipe por seus pais. Deram-lhe todo carinho e amor que um filho pode esperar. Como era de costume, a cada dois meses, Ronaldo trazia seu pai em meu consultório. Ontem, porém, esteve aqui sozinho, disse que precisava conversar. Confessou-me que estava desesperado, não agüentava mais aquela vida, disse que estava envelhecendo e enlouquecendo e o pior, estava se sentindo extremamente solitário. Ficou pensativo, respirou fundo e me perguntou quanto tempo seu pai ainda tinha de vida? Respondi que era impossível prever. Apesar de estar mentalmente e fisicamente doente, seu pai era forte e tinha um coração muito saudável. Ronaldo, muito abatido, me agradeceu pela atenção e foi embora. Acabo de receber um telefonema, nele uma mulher chamada Glória, que disse ser enfermeira do senhor Armindo, me relatou aos prantos que quando chegou ao prédio por volta das cinco e quarenta e cinco da manhã, encontrou uma multidão próxima ao meio fio e, no centro de toda aquela gente estava o corpo de Ronaldo. Ele havia se jogado da janela de seu quarto, que fica no sexto andar. A tal mulher também disse que encontrou um bilhete na cabeceira da cama do Senhor Armindo, onde Ronaldo havia escrito que aquela atitude poderia parecer um ato de covardia, mas era apenas um ato de desespero. Dizia ainda, que na verdade, todos naquela casa haviam morrido há quatro anos atrás junto com sua mãe.

Elano Ribeiro
Enviado por Elano Ribeiro em 04/09/2006
Reeditado em 04/09/2006
Código do texto: T232798