O FURTO DA JAPONA

A meteorologia alertava que nos próximos dias o frio iria ser de doer nos ossos e que, por precaução, todos teriam que se prevenir com roupas adequadas para tal. E foi nesse clima de grande preocupação que Renilda se acorreu ao crediário e lá deixou uma dívida com a aquisição de uma japona: como assim eram chamadas as jaquetas dos anos oitenta.

Pois bem, até ai nada de anormal, porém, no terceiro dia de uso da bendita japona, Renilda se descuidou e deixou que uma das mangas se descosturasse. Visto o lamentável incidente, ela levou sua preciosa peça para que sua vizinha Mary a costurasse. Mary deixou seus afazeres e se pôs a ajudar sua prezada vizinha.

- Ficou novinha – disse Renilda, cheia de satisfação –, quanto te devo?

- Deve nada, mulher! Deixa isso pra lá! Foi só um servicinho de nada! – respondeu-lhe Mary acrescentando: mas que japona linda, né? Olha quantos zíperes e quantos bolsos que ela tem! É mesmo confortável e, deveras, muito linda!

Renilda se enchia de orgulho e contentamento, e logo foi embora resolvida guardar sua japona num lugar bem seguro, dizendo a si mesma: - ela me custou os olhos da cara, e só irei vesti-la num dia muito especial! E, às pressas, a escondeu bem no fundo de um baú.

O inverno rigoroso se foi amenizando, e Renilda, por fim, se esqueceu da japona, pois não mais tinha tanta necessidade de se aquecer.

Dias se passaram, quando, inesperadamente uma massa polar de grande intensidade cobriu toda a região com um insuportável sopro de vento gelado, e Renilda resolveu se proteger com sua linda japona. Imediatamente ela abriu o dito baú, jogou tudo de dentro para fora; vasculhou a casa toda, mas...

- Cadê minha japoooona? Ela gritava sozinha dentro de casa: desconsolada, furiosa e muito nervosa, pois ainda lhes faltavam duas caríssimas prestações a serem pagas. No seu desespero, Renilda misturava rezas com xingamento e pragas, e tudo por causa do sumiço de um bem que lhe era muito auspicioso. Ela ficou enlouquecida e resolveu investigar por conta própria. Tinha ela a real convicção de que alguém lhe furtara, mas... quem? Quem abriria seu baú?

Resolveu sair: dar uma volta para esfriar a cabeça. Dirigiu-se a um ponto de ônibus e lá uma grande surpresa a esperava. Seus olhos se esbugalharam luminosos ao verem sua endividada japona no corpo de Júlia, sua dígna vizinha. Cautelosa, Renilda se aproximou da mulher, e, em cuidadosas minúcias, examinou a japona. Ficou endiabrada com o que via e partiu pra cima da fulana tentando desnudá-la, e destemida lhe dizia:

- Foi você, sua ladra, vagabunda, cachorra! Quem diria, né? Logo você que é minha vizinha e se dizia minha amiga? Vamos, devolva minha japona senão eu chamo a polícia! Eu te mato!

E no puxa-puxa ela rasgou a japona no corpo de Julia.

Júlia se estremecia dos pés à cabeça e tentava se defender, dizendo-lhe:

- Você é louca? Me larga, me larga! Socorro, socorro!

Uma pequena multidão se acorreu em desespero ao redor de ambas e logo entrou em ação separando-as.

Renilda partiu agoniada até a casa de Mary e contou de todo o ocorrido. Ela estava convicta de que sua japona estava no corpo da sem-vergonha da Júlia e... ponto final. Ninguém lhe provaria ao contrário: aquela japona lhe pertencia.

- Que é isso Renilda? Será que a fábrica só fez uma japona exclusivamente para você? – disse-lhe a costureira.

- Mary, foi você quem costurou o rasgão na manga da japona e a reconhece muito bem! Lembra? Vou leva-la como testemunha do furto. Iremos à delegacia agora mesmo!

- Eeeeu? Você é doida? Não sou testemunha de ninguém e nem de nada!

A essa altura a suposta ladra já estava na sua casa, cheia de lágrimas, constrangimento e vergonha. Agora ela precisava lavar e enxaguar a sua honra que fora lameada em pleno ponto de ônibus cheio de curiosos, e para isto aliou-se ao filho mais velho e, ambos, dispostos a provar a inocência rumaram para a casa de Renilda. Lá,o bate-boca descontroladamente fervoroso, acirrava os ânimos entre as duas mulheres. Uma, com o dedo em riste, acusava a outra de furto, e a outra, espumando de fúria, se negava da calúnia. E foi nesse ínterim de extrema agitação que surgiu a filha de Renilda, que se interveio no tumulto, aos gritos:

- Mãe, pára, pára, pára com isto! Fui eu que peguei a tua japona no baú e a esqueci na casa da minha tia Bia! Que vexame! Que vergonha! Não tenho onde meter a minha cara! E abrindo uma sacola de plástico que trazia, disse-lhe: toma tua japona que eu acabei de trazer. Nunca mais a vestirei!

Palavras de me desculpe e de me perdoe, não foram suficientes para apagar a mágoa, e ambas, apesar dos muitos anos de distância do trágico incidente, ainda continuam rivalíssimas.

Que papelão, hein?

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 25/06/2010
Reeditado em 18/11/2021
Código do texto: T2340294
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.