sobre natural

- está calada hoje

- é, ontem tive um encontro infernal

-conta, é bonito?

-não foi encontro de acasalamento

(risinho meio cínico, que preferi não traduzir, sorri de cá)

-sobe?

(interessante deixar a decisão na outra margem e ir filmando, mesmo que gere algum desconforto)

- não, desça

- oi

- ei, queria falar comigo

- sim

- entra aí

- voce é o velho china

- não

- daí aconteceu pretinha

- abraço, beijo, tudo?

- não sua doida, o carro era uma pequena caminhonete, não sei nome nem marca

- novidade

-deixa que eu continue, que coisa,

e desconfortavelmente estava eu lá, sentada ao lado daquele estranho, que não sei porque diabos, já não me era tão estranho assim, a vida tem destas coisas

- atalha

- tá bom, eu já não falava coisa com coisa, não que eu não falasse de fato, as idéias estavam claras, claras demais até, mas, quando você não está com a rédea da situação, é estranho

-tô entendendo nada

- escuta, tinha pouca luz naquele local, o que facilita a criação de sombras, então não me impressionei, e à medida que o tempo foi passando a cena mais clara foi ficando, ouvi ruidos vindo da carroceria, voltei cabeça naquela direção, tinha uma sombra que me pareceu de um transformador, pára-raios, não sei o nome, vou saber, bom, mas pensei que era, continuei aquela conversa esquisita, sem nexo, aparentemente, a sombra estava alojada bem atrás do motorista gigante, na situação, e de soslaio continuei observando, mais sombras, agora do meu lado, na carroceria, como folhas de papelão abertas algumas maiores outras menorea, três a quatro, e no fundo, na altura do meio, sons, que não chegavam a ser desagradáveis, de pequenos seres que brincavam com pequenas ferramentas, estranhei, mas, não senti medo, aquela conversa sim me parecia esquisita, então ele me diz:

- numa hora destas, passo aqui e te levo na minha casa

pára, não ria pretinha, e, continuando, despedimo-nos e nos demos as mãos, e eu soltei

- peido?

- não, maluca, eu disse que ele tinha as mãos quentes, e pensei, está vivo, e não sei porque-cargas-d'agua, não disse, ou seja, ri sem emitir som, já fez isso?

ele pediu que eu o beijasse no rosto, e mesmo achando estranho, o fiz, sem contar que me chamou por menina pelo menos umas seis vezes, sabe o quanto me incomoda

-ele era bonito

- interessante, e naõ era, é

- sei lá, na novela das seis tem uma moça que vê a morte do jeito que está falando, assiste?

- não, e não sei direito, e não me pareceu ter esta conotação

até acordei pensando em ligar, saber como estava já que reclamou de tensão muscular no ombro direito, já pensou, acho que vi a morte à sua espreita, te cuida

- é, acho que ia pensar que tu é louca

- novidade

saindo do carro, o susto, tinha uma capota de proteção, fechada, só pensei, macacos-me-mordam, ando delirando ou acabo de ter mais uma visão, dei uma pequena batida com as costas dos dedos na carroceria, e fui prá casa, depois olhei se tinha condição de serem formadas aquelas sombras, conclusão negativa

- fala com ele

- sim, fulano, acho que você está morrendo, eu vi

sem chance pretinha e se você tem razão vai pensar que quero na verdade é encontro, qualquer coisa sexual

pára de rir sua anta, não vê que é sério

- vejo sim, e bora lá com o cheiro-verde que hoje o-bicho-vai-pegar

- você é a cozinheira mais doida, das boas que conheço, pretinha!

Suzane Rabelo
Enviado por Suzane Rabelo em 31/07/2010
Reeditado em 01/08/2010
Código do texto: T2410350