O penetra.

Carlos acorda sentindo na boca o gosto amargo da bebedeira da noite anterior, no momento em que os primeiros raios de sol invadem as janelas do quarto pequeno e abafado.

Com um misto de raiva e desespero, afasta as cobertas e levanta cambaleante de sono.

Hoje será finalizado o processo de divórcio.

Amanhã será um homem livre.

Para quê? Pergunta para sua imagem no espelho.

Carlos não imagina a vida sem Gabriela.

Enquanto lava o rosto e escova os dentes, a vida a dois passa em sua mente como um filme delicioso, feliz e gratificante, até terminar de forma melancólica...

Terá Gabriela um amante?

Pensa que ultimamente dera para sair muito de casa, cada vez com novas justificativas.

Ah! Gabriela, não faz isto comigo não, eu acabo com tua raça!

Veste-se apressadamente, fazer a barba para quê? Afinal tudo acabara mesmo.

No trajeto até o tribunal, revê a vida a dois, o namoro, casamento, a chegada do primeiro filho, as dificuldades enfrentadas juntos.

Até que começassem as divergências de temperamento.

Gabriela, exemplar executiva de uma grande empresa, cresce vertiginosamente no cargo, enquanto ele continua sua vida de músico, sempre correndo atrás do sonho de conseguir uma gravadora disposta a investir em seu talento.

Para ajudar nas despesas, toca violão e canta em casas noturnas, enquanto observa as pessoas se divertindo.

A vida, pensa ele, é uma festa para a qual não fora convidado. Sente-se um penetra, um maldito penetra de vidas e sonhos alheios.

Todavia, Gabriela parece participar desta festa alegremente, cada vez mais linda e exuberante.

Vencedora.

Tem vergonha de olhar nos olhos dos filhos.

Bobagem, diz Gabriela sorridente, és meu amor, eles só podem se orgulhar do pai que tem.

Esta condescendência dela o irrita cada vez mais.

Lembra do dia em que percebera os primeiros sinais de que ela começara a cansar dele, de sua vida medíocre, de sua falta de ambição.

Daquele dia em diante, a relação começara a declinar dramaticamente.

Frustrado, impotente perante a relação conjugal que se deteriora a cada dia, dera para beber.

Por que não conseguira enfrentar a vida?

Que tipo de homem era ele afinal?

São perguntas sem respostas, perdido que ficou no emaranhado de sentimentos conflitantes que se perpetuam em sua mente.

A cada dia seus sentimentos estão mais confusos.

Carlos está perdido, e de tão perdido, erra o caminho do tribunal.

Todo o seu sofrimento é engolido pelas águas do rio da cidade grande.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 31/07/2010
Reeditado em 31/08/2018
Código do texto: T2410999
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