Balas

Euclides era o rapaz perfeito, o orgulho da família. Daquele tipo que sempre foi bom aluno, sempre foi educado, sempre o conciliador; detestava brigas, violência e amava a paz. Não era lindo, mas era “boa pinta”, alto; não era “sarado”, mas tinha um bom porte físico. Enfim, era aquele rapaz que toda senhora sonhava ter como genro.

Sua vida escolar era modelo para qualquer garoto de sua turma. Era disciplinado com os estudos, tinha todos os horários programados e não faltava nunca, nem à escola, nem aos cursos ou atividades físicas que fazia.

A família cercava o menino com zelo e carinho. Os pais eram muito vaidosos ao falar sobre o filho, mas sem pompa, apenas uma sincera alegria, daquela que se sente quando se vê uma pessoa que se ama correspondendo a todas as expectativas e evoluindo como ser humano.

Todos os dias, na hora de ir à escola, sua mãe colocava uma bala em sua mão e dizia que era para adoçar o seu dia. Era um mimo diário para um menino que não tinha nada de mimado. Nunca respondia aos pais, sempre escutava, mesmo quando achava estar certo; nessas ocasiões, esperava seus pais terminarem e perguntava se podia falar. Tentava argumentar, às vezes com sucesso, às vezes sem, mas sempre aceitando a palavra final.

Cresceu e chegou à fase dos sonhos e planos para o futuro. Trabalhava com o tio numa gráfica e se preparava para prestar o vestibular. Queria fazer faculdade de propaganda e marketing. A mãe costumava dizer: “Meu filho vai ser melhor que o Olivetto.”; e o pai admirava: “Ele é a bandeira da família.”. Mesmo os vizinhos e amigos eram só elogios: “Esse garoto vai longe!”.

Eis que fez o vestibular e a alegria preencheu de vez o coração de todos. Euclides havia conseguido uma vaga numa universidade federal, era, enfim, um universitário. Passou muito bem colocado, entre os dez primeiros. A rua onde morava parou, foi fechada; houve festa e comemoração, com direito a churrasco, cerveja e até um grupo de pagode. Parecia que o Brasil havia ganhado a copa do mundo.

O grande dia chegou, a primeira aula do novo Olivetto, o primeiro passo para a realização dos sonhos e planos que cultivava. Seu tio o liberou mais cedo da gráfica para passar em casa, tomar um banho e se preparar para o novo mundo. Depois de arrumado, foi se despedir da mãe, ganhou um beijo apertado e uma bala para lembrar os tempos de escola. Ao sair pelo portão, ganhou também os gritos de boa sorte dos amigos e vizinhos da rua e seguiu para o futuro.

Pegou o ônibus apreensivo, mas feliz. Já se imaginava pegando o diploma e procurava ignorar os avisos dos conhecidos que diziam que os primeiros períodos eram muito chatos. Ficou sonhando acordado sobre os trabalhos de marketing que faria, sobre a agência que montará e quando reparou, estava na hora de saltar do ônibus e adentrar a faculdade.

Logo que saltou do ônibus escutou os gritos de “pega ladrão!”. Olhou e viu um policial de arma em punho correndo em sua direção, olhou para trás e viu um rapaz correndo, também de arma em punho, só então percebeu que estava no meio de um fogo cruzado e, antes de qualquer reação, caiu alvejado. Morreram os planos e os sonhos para o futuro, com uma bala no peito e outra na mão.

Fabrício Mohaupt
Enviado por Fabrício Mohaupt em 17/09/2006
Reeditado em 24/09/2006
Código do texto: T242080