A Outra

Saio do trabalho apressada, sexta-feira. Eufórica, livre para fazer o que quiser. Rose está a minha espera, dividimos o apartamento. Estamos subindo a Rua Tenente Silveira, perto de casa, ouço o som do motor de uma moto que acelera e para quase ao mesmo tempo ao nosso lado.

É ele.

Marcos, dono de uma loja na mesma rua, passo todos os dias por ali, almoçamos juntos algumas vezes, mas algo nele não me faz sentir vontade ir além. Ele é tudo de bom. Meu número. Mas o maldito instinto que tenho me avisa: Vai devagar ele é chave de cadeia.

Não costumo desprezar meus instintos. Então nunca passamos de encontros furtivos, encontros dos quais eu poderia me livrar dele. Território neutro.

Sei que se cair no território dele não resisto. Também sei das minhas fraquezas. Um bom perfume, olhos verdes, aquele jeito meio garoto, meio homem, tentando me seduzir e eu deixando ele pensar que não percebo, é muito bom.

-Olá meninas, tudo bom?

Rose respondeu que sim. Eu apenas sorri.

-O que você vai fazer hoje Velvet?

-Não sei ainda, acabei de sair do trabalho.

Um talvez que o encorajou (adoro esse jogo) ele caiu direitinho.

-Vamos sair hoje, jantar, balada, o que você quiser, o que acha?

-Sim. Pode ser lá pelas 21:00?

-Sim, eu passo no seu apartamento 21:00. Até mais então.

Despediu-se e saiu acelerando a moto sumindo na curva da Av. Rio Branco.

-Que homem! Como você conheceu ele?

Rose fala impressionada com a aparência de Marcos.

-Ele é dono de uma loja quase ao lado de onde trabalho. Falamos quase todos os dias, mas não estou interessada nele.

-Não está? Mas como? Ele é um gato e você já marcou de sair, como vai fazer?

-Não sei, Rose, até em casa penso em alguma coisa.

Em casa, tomei um banho bem demorado, ouvindo música.

Vestida apenas com um roupão de seda cor de vinho tinto, descalça, cabelos molhados. Senti fome.

Na mesa um café sem pressa como gosto, queijo, geleia de morango e pão italiano com suco de laranja.

Rose me olha atenta. Parece querer falar algo.

-E então? Está quase na hora, você não vai se arrumar?

-Quer saber? Não vou.

-Mas o Marcos vem aqui, como você vai fazer? Ele vem pronto para encontrar você.

-Você bem que poderia me ajudar não é Rose? Amigas são para tirar a gente dessas roubadas.

-Sim, mas o que faço? O que falo pra ele?

-Simples. Você diz que esqueci que eu tinha aula de inglês hoje e não pude cancelar. Que peço desculpas, mas hoje não poderei sair com ele.

-Está bem, você que sabe. Mas e se ele entrar aqui, ele vai ver você Velvet.

-Eu me viro.

21:00 em ponto. Sinal de que o mocinho está mesmo interessado. Mas o que ele quer não é o que eu quero. "Hoje".

Rose atende o inter-fone e fala como combinamos. Mesmo assim ele ele insiste em subir.

Eu faço um sinal de ok. Vou para as escadas do edifício.

De repente me vejo só de roupão de seda, descalça, quase nua, escondida na escadaria escura.

Aqui de cima vejo o carro dele estacionado lá em baixo, posso saber quando ele vai embora.

-Ele está demorando demais no apartamento. O que será que aconteceu?

Não sei quanto tempo se passou, sei que foi bastante. Olho para a rua lá em baixo e vejo o carro acender os faróis e sair rapidamente rua abaixo.

Finalmente posso voltar para minha casa, mas estou curiosa para saber o que ele disse.

Abri a porta do apartamento. Senti o impacto do aroma forte e recentemente evaporando no ar. Meu perfume Poison.

A Rose não está na sala, nem no quarto, nem na cozinha, não está.

Em segundos entendi o que aconteceu. Ela saiu com ele e usou o meu perfume.

Sorri.

Passei um bom tempo pensando que Marcos não queria sair "comigo". Ele queria sair com qualquer uma. Queria sexo apenas.

Me senti aliviada por não ser a mulher descartável daquela noite.

No dia seguinte. 10:00 da manhã Rose aparece. Disse que foi uma noite maravilhosa.

Ela não é uma mulher bonita e uma noite dessas deve ser algo inesquecível, não deve pensar que foi apenas mais uma.

Eles nunca mais saíram juntos.

Marcos nunca mais me procurou. Acho que entendeu que eu entendi. Acho que entendeu que o que ele quer no momento não é o que eu quero.

Mas um dia desses...quem sabe.

Um dias desses em que o sexo casual não deixar um vazio gigantesco na manhã seguinte, que a ligação que não vem não me faça sentir usada, ou que me faça pensar que não agradei o mocinho, o inquietante segundo encontro quando os olhos parecem já conhecerem nossa alma, onde o charme e o encanto tem apenas dois rumos certos: ou cresce de vez e explode em paixão ou se esvai como o nevoeiro quando o sol aparece, poderoso e imbatível.

Fiquei com a solidão das ondas batendo nas rochas, fiquei com o pensamento longe....além-mar.