Alegorias Primaveris

Estranho. Muito esquisito mesmo que, em pleno frio do inverno, aliás, gélido inverno quase glacial, ela sentisse os toques reconfortantes do sol de primavera. Aquelas gotinhas de orvalho a dançar sobre a pele, o perfume do vento nos cabelos, a brisa morna envolvendo o corpo...

Sim, muito estranho, pois chovia lá fora e o frio era cortante. Então, como explicar? Menopausa? Não, era jovem demais. Brincadeira? Não, era velha demais.

Mas, não era velha ou jovem o suficiente para fugir daquele palpitar de vida tão conhecido e a tanto tempo adormecido. Não lhe dava o devido nome por puro respeito. Um respeito exagerado por si mesma, por sua idade. Ou seria medo mesmo?

De fato, a sensação de calor a enfraquecia, a assustava. Sabia o que era, claro! Não conseguia admitir, isso sim. Contudo... já não era demasiado tarde para tentar não admitir? Se as mãos corriam pelo teclado do computador, desenfreadas, a urrar aos quatro cantos da página o que o corpo todo reconhecia...?

Ela sorriu, sozinha. Que medo bobo de ser... Já não era o tempo de enganar-se, pois que aquele par de olhos castanhos não saía mais da mente. E o gosto dos lábios ainda em seus lábios... Ainda!

Mas teria, 'ainda', o direito àquele bálsamo? Já não estava na primavera da vida, não era a adolescente que pulsa, não era a jovem com permissão de errar. Não mais...

Sentiu-se decrépita por um dolorido momento. Suspiro, mais um... Abriu os olhos e viu-se na tela do computador. E aquilo que viu a pegou de surpresa. O calor nas faces, o brilho no olhar. Aquela mulher era mesmo ela? Tão madura, tão criança... Reconhecia-se, lógico. As mesmas rugas, as mesmas marcas, mas aquele brilhar era tão novo.

Viu-se tão claramente, então, que não conseguiu mais seguir pela mentira. Era assim, talvez, que aqueles olhos castanhos a viam. E se ele ansiava por ela, mesmo que apenas por um pouco dela, já não era razão suficiente para se convencer?

Talvez, ele não sentisse a mesma fúria primaveril, as mesmas alegorias adolescentes. Mas, que importava isso? O desejo dele era evidente. Um desejo recheado de carinho, de ternura, de calma. Uma calma que jovem nenhum teria. A própria fonte de inspiração.

Ela estancou a respiração e fez um certo esforço para deixar o ar entrar. Evidências que ninguém mais percebia, tão claras quanto o sol ilusório que esquentava seu coração.

Ao final do texto, ao final de tudo, nada mais a dizer. E na mente agitada a resposta perfeita: "Eu estou apaixonada por você!"

Giselle Jacques
Enviado por Giselle Jacques em 15/08/2010
Reeditado em 02/12/2010
Código do texto: T2439226
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