Martelo de Cozinha.

Saiu cedo de casa. Antes tomou o café da manhã com a mãe, em Pequenópolis. Pegaria o ônibus em quinze minutos. A mãe veio correndo até o alpendre com um martelo de carne dizendo para levar, pois ela havia reclamado que estava sem martelo de cozinha em casa.

Socou o martelo dentro da bolsa, despediu-se apressadamente e rumou para o ponto de ônibus. Como a bolsa sempre anda muito cheia, nem notou a presença do martelo, esquecendo-se dele por completo logo nos primeiros quilômetros da viagem até Currutela dos Desalmados. Chegaria e iria direto para o banco, acertar umas coisas e sacar verba.

Viagem tranqüila, tudo tranqüilo, desceu do Blue Bus e foi para o banco.

A maioria das agências bancárias possuem portas giratórias, devendo os cautelosos deixar seus objetos de metal num compartimento ao lado direito.

Porém havia um martelo de cozinha em seu caminho! Em seu caminho havia um martelo de cozinha!

Só foi dar conta disso quando já estava dentro da roleta, com a bolsa aberta e o guarda do banco olhando. Esquentou a face, avermelhou-se, gotículas de suor brotaram em sua fronte. E agora? Murmurou baixinho, como querendo que o próprio guarda lhe desse uma solução. O que faço com esse maldito martelo? Peço meu celular e minha chave de volta e caio fora?, o que pode pegar mal; ou saco desse martelo e o entrego ao guarda? O que ele irá pensar?

Decidiu, não se sabe como, pela segunda hipótese, pegou calmamente o martelo que a mãe lhe entregara com maior carinho quando saiu de casa, em Pequenópolis, e, com o cabo estendido, por questão de educação e segurança, como se entregasse uma faca ou um revolver, estendeu-lhe guarda, que, estupefato, deixou transparecer um sorrisinho sagaz, bem lá no fundo de seu universo de ironia. Como pessoa sensata que é, devolveu o martelo à garota, ainda com um tom irônico e admirado com sua beleza.

As pessoas ao redor logo pararam para ver o que estavam acontecendo e ficaram a olhar a cena exótica, principiando inclusive um buxixo ao lado, entre correntistas e algumas funcionárias da limpeza: “o que deu de trazer um martelo de carne para o banco? Deve ter comprado no R$ 1,99, ou o trouxe para tentar assaltar o banco, disse ainda alguém; ou quem sabe agredir um funcionário que a tratou mal?!”.

Mas ninguém sequer pensou na possibilidade de que havia ganhado da mãe, em Pequenópolis, e que não teve outro jeito senão trazê-lo no ônibus, dentro da bolsa.

Constrangida, pegou de volta o fatídico, socou-o com raiva de volta dentro da bolsa e foi para as escadarias. Quando desceu o primeiro degrau lembrou-se de pegar o cartão e ficar preparada para o caixa. Quanto mais rápido, melhor!

Descendo as escadas e com a pressa em pegar o cartão, sacudindo a bolsa, escapa-lhe o martelo “maravilhoso!!” e começa a quicar degrau por degrau, num som metálico, ecoando por toda a agência. As pessoas pararam para ouvir. A seus olhos aquilo perdurou por toda uma eternidade. O martelo jamais deixaria de descer aquela escada, que não tinha fim!, e o mundo desabou sobre sua cabeça!

E aquele som em seus ouvidos se tornou pior do que qualquer tortura chinesa. Era o fim! Quando pegou o martelo no fim da escadaria, muitos a olhavam, inclusive uma senhora idosa cujo martelo quase pegou no calcanhar esquerdo. Os caixas balançavam a cabeça em desaprovação. Que vexame!

Depois daquele dia decidiu que nunca mais usaria martelo de amassar carne...

Cristiano Covas, 20.01.09.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 16/08/2010
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