O Romã e o Sonho.

Ontem à noite sonhei com romã. Sonhei que estava fazendo um suco da fruta, da mesma forma que o faço com o maracujá, partindo-a ao meio, retirando a poupa, pulsando no liquidificador, coando, adoçando, gelando e bebendo aquele líquido grená delicioso.

O dia veio e veio também suas tormentas, neuroses a atribulações, vieram também algumas manifestações de esperança, o que me levou a ler Zadig ou o Destino, de Voltaire, quando lá pelo terceiro capítulo, “O Invejoso”, surgiu-me a palavra grifo, entabulada no texto sobre as discussões entre filósofos a respeito de uma lei de Zoroastro que proibia comer “grifo”. Parei a pensar: seria grifo de palavras, itálico, negrito, sublinhado?

Busquei o Aurélio e esta foi a única opção. Ocorre que por curiosidade acabei também por prestar a atenção nas sete palavras acima, que seriam, depois de grifo: grifar, grevista, greve, grelar, grela, grenha, e por último grená, que me chamou a atenção especial por ser conhecida como uma das cores do Fluminense, o tricolor carioca, cuja palavra grená significa: da cor da granada avermelhada ou do ROMÃ.

Lembrei-me imediatamente do sonho e de alguns outros detalhes, como a tia Rosa estando presente em casa sem que nós soubéssemos, coisas oníricas, estranhas e subjetivas, incógnitas. Um conselho ao sogro, no meio da sala vazia de casa, na madrugada, e esse suco de romã que não me chamou a atenção até essa associação cujo desfecho se deu quando busquei romã no Google e a resposta incompleta veio-me como uma cura:

Foi no quintal de sua casa, em Sorocaba, no interior paulista, que a menina Fernanda Archilla Jardini descobriu sua vocação para cientista. Fascinada com um pé de romã, ela tinha uns 12 anos quando cismou que, sob a casca, a fruta escondia atributos fantásticos. Passadas quase duas décadas, já farmacêutica e a caminho do doutorado, Fernanda foi incentivada por seu orientador na Universidade de São Paulo, o professor Jorge Mancini — um dos grandes expoentes nacionais na área da bioquímica —, a investigar a fantasia da infância. Isso já lhe rendeu muito trabalho. Quer dizer, trabalhos científicos. Um deles, por sinal, foi premiado no XX Congresso Brasileiro de Ciências e Tecnologia de Alimentos, que aconteceu há pouco mais de dois meses em Curitiba, no Paraná.

Ao utilizar a romã como base de um experimento em células intestinais, Fernanda notou sua excelente atuação contra tumores. "Algumas substâncias da fruta barram moléculas que danificam a estrutura celular, desencadeando o câncer", diz ela. A cientista atribui essa proteção principalmente a um trio de ácidos: o gálico, o elágico e o protocatequínico. Além deles, há doses concentradas de antocianinas — substâncias reconhecidamente anticancerígenas que, aliás, lhe conferem a cor avermelhada. Esse poderoso mix já chama a atenção de outros cientistas do Brasil e de diversos centros de pesquisa mundo afora. "Estudos também associam a romã à diminuição do risco do câncer de próstata", conta a engenheira de alimentos Gláucia Pastore, professora da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Nos Estados Unidos, um trabalho da Universidade de Wisconsin feito em ratos com esse tumor mostra que o extrato da fruta ajuda a brecar a multiplicação das células malignas.

IMAGEMTXT1. POLPA - As sementes são como verdadeiras jóias guardadas em cápsulas. Belas e aromáticas, retêm a maior parte dos compostos benéficos.

2. MESOCARPOA - parte branca que envolve a polpa concentra montes e montes de tanino, uma substância com potente ação adstringente. Não é aconselhável ingeri-la, já que o sabor não é nada agradável.

3. A CASCA - Há dois tipos de romã: a amarelada, originária do Oriente Médio e facilmente encontrada por aqui, e a rosada, que surgiu no Canadá e é menos abundante em terras brasileiras. Ambas são igualmente ricas em nutrientes.

ARTÉRIAS BLINDADAS

Outras experiências atribuem ao fruto da romãzeira uma proteção maior contra males cardiovasculares. Nessa linha, uma das descobertas mais recentes foi publicada no periódico científico Atherosclerosis, da Sociedade Européia de Aterosclerose, com sede na Suécia: a romã ajuda a reduzir os teores de colesterol. Médicos examinaram os níveis da gordura no sangue de 20 voluntários, antes e após o consumo diário do suco da fruta, e, assim, notaram que houve uma significativa queda do LDL, a fração do colesterol associada ao entupimento dos vasos.

Os benefícios para o peito não param por aí. "Há indícios de que os ácidos gálico e elágico defendam a parede interna dos vasos, que nós chamamos de endotélio", diz Fernanda Archilla. No final das contas, a dupla diminui a probabilidade de surgirem os temidos infarto e derrame.

Em outra de suas investidas, Fernanda Archilla deparou com moléculas chamadas ácidos graxos punícicos. "Essa designação deriva do nome científico da romã, Punica granatum", explica. Os ácidos graxos só enfatizam a crença de que o fruto é mesmo capaz de dar um chega-pra-lá em males do coração. Isso porque estão ligados à diminuição das taxas de colesterol.

Para os cientistas, o fato de a romã reunir tantas substâncias benéficas não é mera coincidência, e sim conseqüência direta das adversidades de clima que seu pé enfrenta no habitat nativo. "Por ser natural de áreas praticamente desérticas, teve que se adaptar às mudanças bruscas de temperatura", conta Fernanda Archilla. Os componentes antioxidantes, no caso, serviriam para minimizar os danos da variação entre o calor escaldante do dia e o frio extremo da noite. Assim como o bom estoque de gorduras em suas sementes. Sem essa química, a germinação se tornaria difícil e a espécie simplesmente desapareceria do mapa. Apesar de tantas qualidades, não é recomendável exagerar no consumo. É que a fruta concentra alguns componentes que podem atrapalhar a absorção de nutrientes e até mesmo causar desconforto gástrico.

Para contornar esses transtornos, vale apelar para alguns truques. Na preparação do suco, por exemplo, a sugestão é juntar água para que fique menos concentrado. Outro jeito de ingerir a fruta em pequenas porções é salpicá-la em saladas e usá-la como ingrediente de molhos, inclusive para sobremesas. "Mas, atenção, os componentes da romã só se conservam se ela ficar pouco tempo no fogo", ensina a nutricionista Cynthia Antonaccio, de São Paulo. Aliás, é claro que a fruta in natura é uma ótima pedida. "A romã é sempre muito bem-vinda em festas. Afinal, o tempo que a gente leva para separar as sementes e comêlas nos impede de atacar outras delícias calóricas", brinca a nutricionista Neide Rigo, da capital paulista.

Coincidências à parte, fato é que estou com a garganta irritada e as vias congestionadas e preocupado com a próstata há uns dois ou três dias... sem mais...

Cristiano Covas, 06.10.08.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 03/09/2010
Reeditado em 03/09/2010
Código do texto: T2475734