A doença (Acorda Brasil: Corrupção)

O paciente chega ao hospital público para sua consulta com o cardiologista.

- Doutor, sinto uma dor no peito que não passa, é contínua. Quando respiro, piora. Já não sei mais o que fazer.

- Desde quando sente essa dor?

- Bem, a primeira vez foi quando, há muito tempo atrás, atendia um cidadão lá na repartição... sou fiscal de obras da prefeitura, sabe?

- O que aconteceu?

- Nada de mais, rotina. Ele estava com sua obra irregular, eu sugeri que poderia ajudá-lo a apressar a aprovação do projeto mediante uma modesta contribuição em espécie. No mesmo instante, senti uma leve pontada do lado esquerdo do peito...

- E depois?

- Bem, a dor começou e, a cada vez que essa rotina acontecia, eu sentia nova pontada e mais dor.

- E quando piorou?

- Ah... foi ontem. Lembro exatamente do momento. Eu estava atrasado para uma vistoria, por isso estava correndo muito além do limite de velocidade. O guarda de trânsito me parou, ia me multar... eu estava começando a negociar valores com ele, quando a pontada ficou insuportável.

O médico pega o estetoscópio e começa a fazer seus exames. Dez minutos depois, senta-se e olha bem para o paciente.

- O senhor sofre de um caso bastante comum: o rompimento de fibras do músculo cardíaco, que, apesar de ser uma pandemia, aqui no Brasil muitas vezes é causada por um microorganismo, o Bacilo de Gérson. Esta doença é chamada de Cor Ruptus, ou “coração rompido” em latim*.

- E é grave, doutor?

- Bem, devo dizer que é. Normalmente, a não ser que haja uma mudança radical nos hábitos do paciente, esta doença tende a se agravar cada vez mais, levando-o a ignorar totalmente seu semelhante e importar-se apenas consigo mesmo, disseminando a desonestidade e a impunidade. Causa prejuízos inestimáveis a toda a sociedade. E, na literatura médica, não há registro de nenhum caso em que o portador da doença tenha mudado seus hábitos espontaneamente. Isso necessita de uma detenção, digo, internação compulsória em instituições especializadas, porém raríssimos também são os casos em que esta internação ocorre.

- E agora, doutor... o que faço?

- Bem... há um tipo de operação que pode minimizar os sintomas. Claro que é uma operação muito custosa, que dificilmente o SUS cobre, mas eu poderia quebrar o seu galho, pois conheço um figurão do Estado... veja bem que estamos falando em quatro dígitos, já que a pessoa é conhecida e... e...

Neste instante o médico leva a mão ao lado esquerdo do peito e cai sentado na cadeira, ofegante. O paciente, igualmente ofegante, tira do bolso um gravador, sorriso maldoso nos lábios:

- Pois é, doutor... eu e essa mania de gravar o que meus interlocutores dizem... agora, voltando a falar em números: quanto vale o SEU cargo?

Ele segura fortemente a camisa junto ao peito numa forte crise de dor, mas continua sorrindo.

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*Segundo Leonardo Boff num texto de 2005 denominado “Corrupção e Poder”, na tradição cristã o pecado original era associado à corrupção no seu sentido etimológico: ter um coração (cor) rompido (ruptus), ou, simplesmente, ser “homo corruptus”.

Está na hora de acabar com esta pandemia. Da mesma forma como se previne a dengue, a gripe suína e outras doenças transmissíveis, a corrupção só vai acabar com uma atitude: a higiene de cada um. Não corrompa e não se deixe corromper. Não vote em politicos (ao menos sabidamente) corruptos. Faça a sua parte, e não acredite que é pouco - lembre-se que um mosquito apenas pode contaminar muita gente...

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Acorda Brasil

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