Presente do coração

Na primeira série do segundo grau, um garoto se apaixonou por sua colega de classe. Júnior não tinha dote algum para exibir a Claudia, mas nunca deixou de alimentar falsas esperanças com relação a ela. Desde que a conhecera, ela era namorada de um cara mais velho e bem mais forte que ele, o Hugo, mas isso era só um pequeno detalhe que não impediria que o amor crescesse em seu coração.

Durante a passagem dos anos ele levara vários presentes para ela, qualquer ocasião era motivo de presentes, e ela aceitava tudo o que ele fazia como demonstração de amizade. O que era uma das coisas que ele não gostava muito de ouvir:

- Obrigada Júnior, você é um amigão!

O sangue lhe subia e os nervos retesavam ao ouvir esse adjetivo atribuído a ele por aquela boca tão desejada.

No segundo ano, em fins de inverno, a chance de ficar com ela apareceu. Claudia e Hugo haviam brigado por alguma besteira qualquer. Na verdade haviam brigado por traição. O querido Hugo tinha dado carona a uma garota de sua faculdade e aproveitou a chance, já que a garota também era gamada nele, e deu uns amassos nela. Uns dias depois, a garota foi ter com Claudia. Hugo, depois de ter aproveitado toda a beleza dela, não queria mais nada e a havia abandonado, ela por sua vez, queria acabar com o namoro dele. E quase conseguiu.

Junior aproveitara bem aqueles treze dias com ela. Foram ao cinema, a uma festa que foi um fiasco e um dia na praça, desse dia ele não esqueceria, nem após a morte. Era um domingo friozinho e um passeio seria a melhor proposta para se fazer a alguém. Após o almoço ele foi a casa dela, ficaram um tempo conversando no portão onde batia sol e logo a idéia de sair andando apareceu. Então foram os dois pela rua, sem rumo, mas com muita coisa para se falar. Andaram um tempo com as mãos nos bolsos e um tempo depois, abraçados para se proteger do frio. As horas não andaram naquele dia, elas correram como se tivessem que ganhar uma competição e o dia ia se esvaindo dentro dos olhos castanhos de Claudia. Chegaram a praça da igreja que era enorme, procuraram um banco com encosto para se sentar, e se entrelaçaram como um casal de namorados faz. Ela chorou lembrando de Hugo e ele acalentou seu coração com as poucas palavras que podia exprimir.

- Você é uma pessoa muito especial para mim – disse Claudia com os olhos marejados, e se aproximando dele, beijou-lhe a boca em demonstração de carinho e agradecimento.

Junior ficou estático, sentindo a boca quente de Claudia na sua, aquecendo seu coração. A sensação o levou as alturas e a mente congelou aquela cena como o melhor momento de sua vida.

A conversa se prolongou um pouco mais, porém agora o assunto mudara para coisas felizes. O caminho de volta foi como o de ida, porém agora eles sabiam para onde iam.

Na terça-feira seguinte Claudia chegou até ele toda feliz e disse que havia voltado com Hugo. A noticia lhe caiu com uma bomba, uma bomba atômica, no deserto de seu ser. Conteve as lágrimas a tempo de não chorar na frente dela, depois disso a desculpa que dava dos olhos vermelhos era de ter cisco nos olhos.

Mas o tempo cicatriza algumas feridas, e em meados do verão ele se animara, continuava a escrever poemas sobre corações despedaçados e sobre morte, continuava a falar com Claudia normalmente, mas uma tristeza era embutida em sua voz.

No ano seguinte, o último ao qual conviveria com ela, ele tomou de coragem. Pediu para ela matar aula e vir com ele. Claudia não estava muito afim, mas queria saber o que o afligia.

Se fosse visível o que Junior fez, veríamos seu peito sendo escancarado, o coração, a pulsar, sendo arrancado de dentro pelas próprias mãos e oferecido a ela. Naquela noite as palavras brotavam do nada e eram ditas sem cerimônia, os olhos lagrimados exprimiam a veracidade do que era dito. E ela calada escutava a voz dele amargurada e sôfrega a dizer coisas que ela adoraria ouvir de outro alguém. Ao final, depois de se declarar perdidamente apaixonado por ela foi a vez dela falar. E não foi preciso muito para que a noite de Junior estivesse acabada.

Claudia amava a outro e esse era um fato que não podia ser mudado. Ela estava extasiada pela declaração inesperada, mas o amor que ela tinha por ele era apenas uma grande amizade, ela não conseguia vê-lo de outra forma, queria continuar a amizade. Coisa que ele recusou imediatamente. Ele não podia mais suportar estar ao lado dela sem tê-la. Então disse adeus e foi-se embora em meio a escuridão da rua.

Passaram-se duas semanas sem a presença de Junior na escola. Claudia preocupada ligou para casa dele, mas quando o telefone começou a tocar ela desligou. Achara melhor ir até lá e foi.

A mãe de Junior não sabia onde ele podia estar. Ela confessou que ele andava meio estranho nos últimos dias e chegava em casa sempre muito tarde. Claudia agradeceu e foi para casa um tanto preocupada. Preocupação pouca, pois logo Hugo chegou, ela esqueceu do seu amigo.

Junior agora andava com pessoas estranhas, gente que espreitava as noites e que fariam qualquer coisa por dinheiro. Então ele se concentrou em seu interior, adentrou em seu mais profundo ser e escreveu um longo poema, onde descrevia toda a dor e amor que sentia, onde pusera todo o ácido que o corroia, onde concentrara toda a poesia que conhecia e onde morria ao final das linhas.

No dia seguinte ao se encontrar com seus novos “amigos”, ele chamou ao canto o rapaz com quem mais se dava e perguntou:

- Quanto você quer para matar uma pessoa, arrancar seu coração e enviar pelo correio para alguém? – sua voz estava pesada, carregada de seriedade.

- Nossa! De quem tem tanta raiva assim? – disse o rapaz surpreso.

- Quanto custa? – repetiu Junior.

- Ok, já entendi, vejamos – e fez uma cara de quem pensava - quero quinhentos para mata-lo, cem para abri-lo e mais a postagem sobre o peso do coração, mas esse preço é especial, só porque é para você hein.

- Quando pode fazer o serviço?

- Qualquer dia desses, é só dizer quem é para começarmos o trabalho.

- Você não terá trabalho, a pessoa sou eu.

- Hã! Você está brincando né? – o rapaz mais parecia assustado do que surpreso.

- Você não pode fazer o serviço? – Junior parecia irritado.

- Posso, mas cara, se for por causa daquela garota, deixa eu te falar uma coisa, existem muitas mulheres por ai, e você pode ter qualquer uma outra...

- Eu não quero nenhuma outra, eu quero ela. Amanhã trarei o dinheiro e as instruções – disse isso com uma frieza tamanha e se foi.

No resto da noite Junior bebeu de um vinho barato que havia comprado e deslumbrou a lua, refazendo, em sua mente, o plano de sua própria morte.

O corpo de Junior foi achado alguns dias depois de sua morte, já em decomposição, em um matagal. Acharam o corpo depois de uma ligação anônima. Foi reconhecido pela cédula de identidade que carregava. Assim como havia planejado.

Claudia ficou surpresa quando recebeu uma caixa e um envelope do correio. Eram do seu amigo, até então sumido, Junior. No envelope estava escrito para ser aberto antes. Ela abriu o envelope com cuidado e pegou o poema, que logo foi lendo. Suas expressões mudavam conforme ia lendo o poema e no final uma cara de espanto se fixou em seu rosto. O medo alojara-se em seu coração. Com as mãos trêmulas ela pegou a caixa, agora diferente de antes, ela sentia um peso estranho naquilo, com os batimentos cardíacos a mil, ela abriu a caixa e viu o coração de Junior. Depois disso ela só viu escuridão.

No hospital ela ainda estava em estado de choque, dizendo a si mesma que aquilo que havia recebido não era o coração dele. Até que Hugo, que veio lhe trazendo flores, lhe deu a notícia de que acharam o corpo de Junior, com o peito aberto, lhe faltando o coração.

Juliano Rossin
Enviado por Juliano Rossin em 24/09/2006
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