Peripécias e Desilusões de José Armando Barraco.

Desiludido após uma briga com a esposa, que resultou no rompimento do matrimônio após dezessete anos de ferrenho enlace, José Armando Barraco, mais conhecido como Zé Quebra Barraco, decidiu sair em direção ao primeiro boteco sossegado que encontrasse pelas redondezas. Indignado com o palavreado de baixo calão que foi obrigado a ouvir da patroa antes da derrocada (como são expertas as mulheres), José, cenho e punhos fechados, mente perturbada, adentrou feito touro feroz ao botequim Último Gole´s, de Seu João de Deus.

_Uma birita, pelo amor de Deus!

_ Hum, pelo visto, indaga sarcasticamente Seu João, nosso compadre aí quebrou o barraco de novo com a patroa!

_ Não te interessa, miserável! Manda logo a porra da birra, ou melhor, birita, que to pagando!

_ Alto lá, camarada, pode até ta comprando o bar, mas como ser humano que sou exijo respeito antes de tudo! Se você é um cão jogado na rua o problema é seu. Eu pelo menos tenho minha Veia e somos felizes como ninguém (Veia: derivação popular de velha, mulher idosa ao qual é chamada a esposa de Seu João de Deus. Apesar de ser chamada assim por todos que a conhecem, Veia é ainda nova, se aproximando da casa dos quarenta e cinco anos, porém com face chupada por falta de dentes e olheiras profundas pela insônia de ter de agüentar por mais de trinta anos – quando se casou tinha quatorze – o marido que ronca e peida a noite inteira).

Nisso, num cantinho sórdido nas proximidades do banheiro fedorento (a coprofilia está em alta hoje em dia), um desses moribundos, capazes de passar horas bebericando uma única dose de cachaça, resolveu participar da chacota:

_ Lá vem João de Deus aporrinhar a pobre da filosofia misturando-a com esses seus ideais livrescos de auto-ajuda. E eu já não cansei de te falar, João, que essas porrinhas de literatura não vão te livrar de modo algum da cova rasa e abarrotada de vermes famintos e ansiosos por te degustar.

_ Cala a boca, bêbado sem solução! A conversa até agora não se aproximou do banheiro! Não vê que o camarada ali se engolfou em mais uma daquelas! Deixa-o beber em paz!

Nisso Zé prosseguia, bebericando, austero, como a cumprir um ritual sagrado.

Lá pelas tantas, vitimado por milhares de chacotas insensíveis, bêbado feito uma porca no cio (afinal, foram doze doses da branquinha, e se é que porca bebe), Zé Quebra Barraco decidiu retornar, sôfrego, ao lar, antigo lar conjugal, hoje templo de sua solidão.

Acendeu um cigarro, sentou na cama para meditar um pouco, enquanto soltava umas baforadas gostosas, e por fim resolveu lavar a carcaça, pois quem sabe, como nas novelas e filmes baratos, um banho restaurador faça efeito.

Com o corpo ensaboado e sentindo um leve prazer, mesclado a alguns calafrios, cabeça liquefeita cheia de fumaça, sentiu um cheirinho de coisa queimada quando percebeu que do quarto chegava uma fumacinha que não era normal. O cigarro! Merda, a porra do cigarro! Pensou.

Pelado e desesperado, ensaboado e mal amado, viu José seu mundo desabar, ou melhor, se incendiar, aos 37 anos de idade, 1,69 de altura, 71 quilos, pernas esquálidas e peludas, pequena protuberância na região lombar, cabeça calva e com leve desproporção em relação ao resto do corpo, num fogaréu infernal, cuja causa um cigarro caído no colchão. Que distração! Que bêbado porcalhão! Que mundo ingrato! Desgraça!!! Coisas ditas aos berros enquanto corria nu pelas ruas ficando sua casa em chamas para trás.

A ex-sogra, que morava ao lado, logo se aproveitando da situação, comunicou à polícia mais próxima que seu ex-genro, “após enlouquecer e mandar a esposa embora de casa, resolveu incendiá-la (a casa - parênteses constante do termo circunstanciado), vindo a sair pelado, aos berros, pelas ruas em plena luz da tarde...” Coisa que chocou os policiais que primeiro tomaram contato do relato e o restante da população circunvizinha, que logo esboçou um linchamento (David Linch – Juiz americano cujo sobrenome deu origem à palavra), sendo José Armando salvo no último instante por Seu João de Deus, que honrou o nome e o enfiou em seu Botequim, fechando em seguida as portas, até que a situação se normalizasse.

Por fim, por ser um eterno incompreendido, por ser humilhado e abandonado pela esposa, chacotado no botequim do Senhor João de Deus, por estar falido, fodido e carcomido, viu José (hoje incendeia barraco) transcorrer com um sorriso abestalhado no rosto os processos crime que o condenaram a quatro anos de reclusão por “incêndio culposo” e “atentado violento ao pudor”. Uma pena.

Cristiano Covas, 13.4.2006.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 14/09/2010
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