Poeirópolis.

Nunca fui de me importar muito com esse negócio de poeira. Tenho a impressão de que quando era criança não existia poeira, tão acostumado estava com ela. O fato é que não a via, ou não dava a mínima.

Comecei a perceber realmente a poeira na minha vida quando fiquei fora, retornando tempos depois. A partir de então percebi que as coisas por aqui eram de fato empoeiradas, mas empoeiradas pra cacete.

Esta é introdução de nossa querida Poeirópolis, que, conforme o próprio nome diz, é a cidade da poeira. A capital nacional da poeira.

Quando o Renato Russo compôs Teatro dos Vampiros, buscou toda a inspiração em Poeirópolis, e disse: “fica a poeira se escondendo pelos cantos... Esse é o nosso Mundo... O que é demais nunca é o bastante... A primeira vez, sempre a última chance... Ninguém vê aonde chegamos...”

Aqui é um universo da poeira; tem pra todo gosto e textura. Comemos poeira, dormimos com poeira, respiramos poeira e até tossimos poeira, isso vinte e quatro horas por dia. A poeira faz parte de nossa vida, e cremos que sem ela não seríamos os mesmos, talvez nem conseguíssemos viver alegremente como vivemos.

Inclusive a placa identificadora da cidade, posta logo na entrada, em grandes proporções, orgulhosamente informa aos visitantes:

Bem Vindo A Poeirópolis, A Capital Nacional Da Poeira.

Há poeira em tudo que se imaginar. Emprego não falta. Uma dos modos de renda extra muito utilizado pelas senhoras e cidadãos poeirópolenses é a venda de poeirinhas engarrafadas, empacotada ou em saquinhos, para turistas que visitam a cidade em busca das maravilhas de Poeirópolis.

Existe também para o turista desdinheirado ou muquirana, o empoeiramento gratuito, ou seja, quem abastecer até vinte litros no Auto Posto Poeirópolis, recebe gratuitamente uma ducha de poeira gratuita, para você, seu carro e sua família. “Tudo de Grátis”.

Existem ainda quitutes empoeirados, brigadeiros, feijoada à base de poeira, sorvete burrifado com poeira, creme de gergelim, mingau de milho verde, sopa de fubá, além de várias outras especiarias exclusivas de Poeirópolis. Os móveis e demais bugingangas vendidos nas lojas e feiras são entregues com uma grossa camada de poeira, consagrando-se, desta forma, o “charme” da cidade.

Os filhos dos turistas adoram escrever e desenhar na lataria dos carros empoeirados. É uma farra. Quando crianças gostávamos de brincar de ver quem tinha mais poeira no corpo, esfregando um lenço ou um pedaço de papel na testa e demais regiões para ver quem de nós era o mais empoeirado. Era uma gozação. No final o mais sujão era obrigado a começar no bobo (Brincadeira do bobo, em que três ou mais jogadores passam a bola para o companheiro, fora do alcance do bobo).

Velhas limpadeiras neuróticas possuem também um vasto campo de atuação em poeirópolis. Há serviço o dia todo, pois a poeira é implacável. Se o cidadão for se preocupar com a poeira que surge a qualquer momento e a qualquer hora, passa a vida a limpá-la, até o estertor e, conseqüentemente, à insanidade.

Há casos clínicos de pessoas que, com o passar dos tempos, foram se esgotando, se esgotando, até o ponto em que se entregaram completamente ao combate da poeira, passando o resto de seus dias a limpar, limpar, limpar, incessantemente, sem sono, sem comida, sem amigos, sem saúde, simplesmente limpando, limpando, limpando e limpando, até que seus nervos explodem e suas vidas são ceifadas precocemente pela “neura da limpeza”, como é chamada. E, curiosamente, seus corpos são enterrados na poeira dos cemitérios.

É importante saber viver e compreender a poeira.

Não querer acabar definitivamente com ela é princípio de sabedoria.

Não adianta lutar nem se descabelar por ela. É uma luta por demais ingrata.

Por isso devemos escrever nossos nomes nas latarias dos veículos empoeirados e seguir adiante, calmamente, até que, por fim, nos transformemos também em poeira, uma vez que, conforme reza o ditado: da poeira viemos e para a poeira voltaremos.

Cristiano Covas, 31.07.06. Êta mês difícil de acabar!

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 15/09/2010
Código do texto: T2499124