O ÚLTIMO DESAFIO

Apesar de seus cinco anos, era um menino esperto e bem informado. Sempre se envolvia nos assuntos dos homens mais velhos. Mesmo que não soubesse argumentar como um douto, se esforçava para sair o melhor que pudesse com seus escasso leque de conhecimento, o que divertia os homens mais velhos. Seus discursos possuiam pouco conteúdo, mas eram muito bem armados e convincentes. "Um pequeno empresário", é o que diziam os familiares.

Com o tempo aproximou-se muito de seu avô, que morava na casa de frente à sua. Sabia que com aquele homem das palavras poderia aprender mais rapidamente, e memorizava cada palavra mais complicada que este usava para seus novos discursos, mesmo que empregando-as errado na maioria das vezes.

Criaram um hábito juntos: resolver problemas. Geométricos, matemáticos, e mesmo os gramaticais. No começo compravam em revistas em bancas, resolviam os puzzles da última folha do jornal. O avô fingia não entender algumas geometrias ou contas, para dar chance ao pequeno. Mas seu hábito quando conseguia resolver algum problema era sempre o mesmo: permitia que um largo sorriso se espalhasse pelo rosto. Às vezes até mesmo o pequeno garoto fingia não conseguir resolver alguns problemas, assim como o avô fazia consigo. Fazia isso, por sua vez, para deixar que o avô terminasse, e para que assim pudesse contemplar tão belo e imponente sorriso.

Com o passar do tempo começaram a inventar um ao outro seus próprios desafios, e a certo ponto os desafios do neto começavam a desafiar verdadeiramente o máquina enferrujada de resolver problemas oculta pelos cabelos brancos. O menino aprendia rapidamente, e o velho colocava as engrenagens para funcionar novamente. O jovem se sentia mais velho, e o velho mais jovem.

Criaram uma indiscutível cumplicidade. Uma amizade que não era apenas a amizade familiar, das datas festivas e telefonemas, mas a amizade por necessidade contínua da presença física um do outro.

Um dia, enquanto trabalhavam um no problema criado pelo outro, o pequeno ao mais velho:

- Vovô. Qual é o maior desafio de todos os desafios que existem?

O avô não respondeu. E o menino não voltou a perguntar. Sabia que se houvesse tal desafio ele ainda não seria capaz de resolvê-lo.

Muitos dias se passaram. Encontravam-se sentados um de frente para o outro em uma mesa de madeira empoeirada. Compraram dois jornais idênticos e se dispuseram a resolver o mesmo problema. Enquanto o neto se encontrava perto da resposta, o avô nem sequer tinha começado a pensar sobre ele. Estava mergulhado em outra questão. Interrompeu o silêncio e os pensamentos ligeiros do pequeno garoto, dizendo:

- O maior desafio de todos os desafios que existem, e o maior que poderemos encontrar durante todo o percurso de nossa vida, a ser compreendido e resolvido, somos nós mesmos.

Dessa vez foi o neto quem não disse nada. O avô, sem pronunciar nem mais uma palavra, levantou-se e foi deitar-se, sem ao menos tentar resolver o problema da última página do jornal.

Alguns dias depois dessa conversa o avô veio a falecer.

No velório todos se tocavam com a emoção que a morte causara no neto. Ninguém imaginava que uma criança tão pequena pudesse sofrer tanto com a partida do avô. Soluçava incessantemente, um som ritmado, agudo e triste. Chorava mais do que qualquer outro familiar presente, e esperneava e se agarrava em tudo e em todos se alguém tentava lhe tirar dali. Queria passar até o último segundo com seu amado companheiro. Todos choravam pelo avô, e choravam mais um pouco pelo sofrimento do pequeno neto abandonado.

Repentinamente as lágrimas estancaram, junto com o soluço. Uma expressão de inocente confusão infantil lhe tomou as curvas da face e da sobrancelha. Começou a fazer o seu pequeno rosto de resolvedor de problemas, como se calculasse contas complicadas, e encaixasse palavras inaudíveis. Não demorou para que seu sorriso se desenhasse, comprimindo as maçãs do rosto contra os pequenos olhos inchados. Ninguém conseguia compreender o que acontecia. A mãe, que o carregava no colo, ficou assustada com a atitude inesperada e perguntou-lhe:

- O que aconteceu, querido? Está sorrindo para quem?

- Vovô é o maior, mamãe!

- Como assim, meu anjo?

- Finalmente, mamãe, finalmente! Ele conseguiu resolver o maior de todos os desafios!

A mãe começou a chorar, então, as lágrimas que o filho deixara de chorar, e o pequeno neto sorria, deveras contente, o sorriso que o avô estaria sorrindo.

Josadarck
Enviado por Josadarck em 22/09/2010
Reeditado em 19/12/2010
Código do texto: T2514749
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.