A Camisa Que Andou Sozinha.

José Pedro saiu cedo da casa da prima aonde estava ficando na capital do Estado em direção à primeira banca de jornais que encontrasse.

Precisa de um exemplar do dia da relação de empregos. Desempregado há seis meses na cidade aonde morava não suportou a pressão e rumou procurar emprego na capital. Na cidade natal, pequena, tórrida e corrupta, deixou mulher e três filhos pequenos, duas mulheres, Celina e Rayanne, e um homem, José Pedro Filho. Era torneiro mecânico de origem, mas nos últimos tempos tem se escasseado a oferta, tendo chegado ao limite com o longo lapso que passara desempregado da última vez. Seis meses para um homem com família é desumano!

A prima era distante, mas que sempre o acolhia quando ia a São Paulo. São Paulo sempre o assustava, principalmente quando desembarcava no terminal rodoviário Tietê em alta madrugada, sendo vigiado por pessoas obscuras encostadas nos cantos.

Desembarcou naquela manhã de 21 de setembro com a esperança de conseguir um emprego que lhe possibilitasse trazer a família para uma vida melhor, longe da poeira e da miséria.

Chegou num domingo com vento frio e ensolarado. Fumou um cigarro na plataforma da rodoviária quando saiu do ônibus. Viu o céu azul e aquele ventinho gélido e se estremeceu, soltando uma baforada. Pensou em “outras eras, no cosmopolismo das moneras”, de quando lia Augusto dos Anjos e outros poetas recostado no parapeito de um viaduto na av. Liberdade, em dias de inverno, pensando em se jogar de lá de cima. Uma dose de vodka com limão era o suficiente para mudar de idéia.

Entrou no metrô e rumou para o apartamento da prima, no Copan. A prima era casada com um sujeito soturno, segurança do supermercado Pastorinho, que assustava até bandido perigoso, tamanha a expressão rústica e sombria. O interessante é que praticamente não se encontrariam uma vez que o cara trabalhava na madrugada e dormia o dia todo.

Avistou uma banca de revistas e comprou o exemplar de três diferentes jornais, para buscar diversas possibilidades. Não queria perder e estava disposto a qualquer emprego, desde que digno. Nos classificados de emprego leu que empresa contratava para entrevista e seleção. Alameda Santos, 165. Foi, à pé. Seria assim, o quanto pudesse economizar com transporte, o faria. Afinal gostava de flanar pela cidade, vendo suas loucuras.

No fim da entrevista uma daquelas dinâmicas de grupo, com questões lúdicas para testar o psicológico, físico e emocional do indivíduo.

Fim, ligariam se aprovado.

No dia seguinte, porém, algo lhe preocupou. Trouxera apenas uma camisa! Tinha de mantê-la limpa a semana toda que ficaria ali. Usaria a mesma camisa os cinco dias e sequer informaria a situação para a prima, pois a mesmo poderia querer lavá-la, teria que passá-la, e ele não queria incomodá-la. Comprar outra nem se cogitou, uma vez que seu dinheiro era contado para a viagem, o transporte e algum lanche. Mantendo a camisa limpa dá pra levar, disse pra si mesmo!

Segundo dia. Saiu cedo e refez o trajeto da banca de jornal. Novo anúncio. Rua Vergueiro, zona sul, empresa de purificadores de água. Rumou para lá sentindo o peso de uma camisa de segundo dia. Cumpriu os procedimentos, dinâmicas de grupo, entrevistas, documentação, curriculum, etc, e foi para outra proposta na zona leste, depois de comer um lanchão numa barraca no largo do Arouche. Dentro do ônubus tentava manter-se o máximo distante das pessoas, evitando contatos e mais próximo da janela. Não poderia transpirar, mas dentro de um latão daqueles, depois do almoço, rumando para a zona leste, era brabo. Empresa de vendas de curso de inglês. Cascou fora!

No terceiro dia sentia que a coisa não estava boa. Sua camisa fedia notoriamente. Procurava não se aproximar muito das pessoas, mas umas coçavam o nariz em sinal de que estavam atentos a odores estranhos.

Percorreu mais itinerários e nada de retorno.

Na quinta, seu quarto dia já se sentia incomodado de forma extrema. Estava irritado com a situação, mas mesmo assim percorreu o dia todo de entrevista em entrevista, de dinâmicas em dinâmicas, e pode perceber que houve desta vez um indício de discriminação com relação à sua pessoa, à sua camisa, ao seu fedor. Sentiu-se humilhado e lembrou-se daqueles mendigos que vivem nas ruas e passam meses sem banho e roupa limpa. Se transformam em animais. Criam uma crosta que os tornam insensíveis perante as intempéries.

Na sexta feira acordou mais cedo do que nos dias anteriores. Queria sair bem cedinho, aproveitar o dia pois a passagem de volta estava reservada para este mesmo dia, à noite. Abriu os olhos, respirou fundo e ergueu-se já pronta para pegar a “fedida”, já conhecida sua durante a semana. Acontece que para sua surpresa a mesma não estava mais lá. Assustado, abriu a porta e perguntou para a prima a respeito da camisa. Ela até riu. Não vi não, disse!

Assustado, olhou pela janela do quarto e a viu do outro lado da rua, acenando, de frente para a banca de revista...

Savok Onaitsirk, 18.03.10.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 18/10/2010
Código do texto: T2563389
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