O Dinheiro Fica!

Em 1.989, Dinha, como era conhecida, mudou-se pra Amsterdã. De sua infância miserável aprendeu uma coisa: guardar dinheiro era vital!

Com alguns trocados na carteira, comprada na quermesse de Caruaru, e alguns dentes podres, aportara no Aeroporto Internacional de Amsterdã, sem saber falar sequer o português, com dinheiro emprestado pelo patrão de seu pai. Era noite fria de janeiro. Poucas roupas. Caruaru estava quente! Despreparada...

Tinha uma conhecida que angariava domésticas para apartamentos “de luxe” na região central de Amsterdã. Sorte sua.

Meio sem qualificações, como ela mesma gostava de ressaltar, por livre e espontânea pressão, teve de escolher a faxina como profissão. “Por enquanto”, dizia com um brilho nos olhos e uma dedicação robótica... “Por enquanto”...

E dizia mais, como que para poetizar, cheia de dor, mas em mensagens transmitidas com fervor:

“A fome faz a melhor comida!”

“Todo vencedor tinha dúvidas, mas persignava!”

“Já o perdedor, quedava-se inerte em suas dúvidas!”

E assim milhares de máximas populares de Dinha, ou parafraseadas, ou sei lá o que, eram despejadas aos ventos e ouvidos conhecidos, colegas de profissão e patroas, que riam-se de sua explícita prepotência, ou inocência. E quem disse que Dinha se importava?

E retrucava, cantarolando:

“Há quem diga que eu não sou de nada, que eu dei bobeira, que fugi da briga quando o pau quebrou, mas eu quero é botar meu bloco na rua, gingar, pra dar e vender...”

E riam-se ainda mais... E Dinha menos ainda se importava. Tinha determinação. Estava focada. Nada desviaria seus rumos!

Do quanto ganhado com as faxinas, pagava pensão, transporte e alimentação, no limite, poupando o restante.

E assim cinco anos se passaram. Sozinha, Dinha acumulou quantia suficiente para comprar um “muquifo” no subúrbio da cidade.

Passou mais dois anos até conseguir grana para reformá-lo e mais dois para abrir seu até então singelo negócio: um “coffe” de maconha.

Pesquisara com precisão o que de fato seria um bom negócio em Amsterdã. Não fumava maconha, tinha horror a drogas. Mas lá aquilo não era droga e, portanto, seu negócio seria lícito e extremamente lucrativo.

Mais doze anos se passaram. Dinha, com 39 anos, acumulara seu primeiro milhão. As vendas explodiram. Muitos maconheiros naquela região. E ela se especializara no melhor. Era requisitada. Quando sua loja fechava havia até rebeliões. Loucos aos borbotões eclodiam de ecossistemas vários, com cachimbos em punhos, querendo a erva sagrada da Dinhê, como ficou conhecida no sotaque franco-holandês.

Aos 45 anos, considerando-se merecedora de seu sucesso, com boa quantia de dinheiro guardado, Dinha, ou Dinhê, resolvera aproveitar um pouco. Trabalhara demais.

Naquela tarde saiu de sua loja leve, livre, solta e cheia de grana; fumou pela primeira vez um longo baseado. Ficou loucona de felicidade, sofreu queda de pressão, estonteou-se e caiu com a fonte da cabeça em cheio na máquina registradora: traumatismo craniano; morte imediata...

A máquina abriu-se no exato momento, e uma correnteza de sangue foi pingando e manchando as notas holandesas...

Além dessas, manchadas, milhões de outras ficaram retidas no Bank of the Netherlands, que ganhou na justiça alegadas irregularidades nas transações de Alfreda Camargo Duarte, a Alfredinha, Dinha ou Dinhê, como ficou conhecida...

Savok Onaitsirk, 18.10.10.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 19/10/2010
Reeditado em 19/10/2010
Código do texto: T2565442
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