Alegria e a Tristeza.

Alegria era um sujeito triste. Dentre doze irmãos, foi o que mais problemas teve na vida. O principal deles era ter paralisia do lado esquerdo do cérebro, o que o levava a ter uma vida delirante e imaginativa, porém com pouca aptidão para as práticas do dia-a-dia.

Isso lhe causava transtornos inimagináveis. Vivia sonhando, divagando pelos cantos. Em sua infância era tido como um “viajante na maionese”, jamais conseguindo manter um raciocínio lógico sobre as questões propostas pelos professores em sala de aula, motivos que o levaram a reprovar por cinco anos no colégio, não o concluindo corretamente.

Babava muito quando divagava. Ficava num canto da sala com mosquitos ao redor de sua cabeça, um pirulito derretendo na mão e babando, babando, babando e sonhando, mesmo que o mundo caísse lá estava ele, o que fez com que seus coleguinhas de sala o apelidassem de Alegria. O mundo explodia e Alegria vivia, pensando coisas que os outros costumavam vivenciar somente em sonhos loucos.

Em seus devaneios achava que a lua era suportada no céu por um fio dental.

Que Julio Verne tinha esse nome porque havia encontrado uma civilização de “vermes” no centro da terra.

Que os bichos da goiaba eram os bigatos que evoluíam.

Achava que os jogadores de futebol que via nas entrevistas eram atores, sendo que os que via na partida eram dublês que os representavam, pois os achava idiotas demais para jogar futebol.

Sua infância fora marcada por tais devaneios, sonhando com tudo, criando uma maneira de pensar diferente para tudo que via. Na sua cabeça não entrava explicações racionais para as coisas, ele tinha suas próprias explicações para as coisas, e achava a dos outros, a óbvia, a prática e pragmática chata demais para que ele se preocupasse com isso.

Foi, apesar das reprovações, avançando no colégio. Ia colando as coisas que não sabia e escrevendo as que achava corretas à sua maneira. Até que um dia resolver entrar na faculdade. Queria cursar Engenharia!

Conseguiu uma bolsa-estudo do governo e foi para um faculdade particular. Na segunda bateria de provas foi chamado na reitoria para uma reunião. Os professores ficaram intrigados com suas respostas, totalmente desconexas e alienadas, e resolveram ver o que o rapaz tinha. Passar numa faculdade particular no Brasil é possível até a um sapo, desde que tenha RG, CPF e endereço fixo, além de dinheiro para pagá-la, o que a um sapo tal requisito seria difícil, a não ser que fosse um sapo de estimação de algum biólogo conceituado. Na sala da reitoria indagaram Alegria se ele tinha algum problema mental. Ele disse o que tinha e cancelaram sua matrícula. A partir de então Alegria ficou muito triste. Descobria que era uma pessoa estranha ao meio profissional. Quando se é criança, ser meio estranho é normal, apesar das críticas dos coleguinhas, mas quando se entra no meio adulto as críticas dão lugar à rejeição e à exclusão social. Foi o que se sucedeu com Alegria.

Não queria ser como o palhaço que tinha o mesmo apelido que o seu.

Resolvei a partir de então sair andando pelo mundo, sozinho, andando sem parar, sem parar, sonhando, sonhando e andando, sem parar... , fazendo sons de motor com a boca, pois achava que era um "caminhão".

Obs.: Está história é um alerta contra a discriminação de pessoas portadoras de dislexia e outros distúrbios neuronais, sem condições financeiras, e que, em sua maioria, se perdem na vida, abandonam famílias, se envolvem com álcool e drogas e se tornam moradores de ruas e andarilhos. Compreensão, amizade e tratamento é o que mais precisam!

Savok Onaitsirk, 25.03.10.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 21/10/2010
Código do texto: T2569988
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