Ambicionar, Desejar e Deixar-se ao Sabor do Tempo.

Tenho oitenta e quatro anos. Estou mais pra lá do que pra cá, como podem perceber os transeuntes que me olham com olhares estupefatos, como que dizendo: “nossa, não quero jamais chegar naquela idade!”.

Como são tolos! Não sabem que o interessante na vida é o trajeto..., e quanto mais longe formos, melhor...

Levei uma vida de caco até agora, correndo atrás de tudo, principalmente atrás de dinheiro e de felicidade, achando que um levaria ao outro, me desfragmentando como uma matéria em decomposição contínua...

Não consegui nem um nem outro, mas de alguma forma vivi com o que tinha e agora percebo claramente que isso me foi o suficiente. Aí me pergunto: por que não o soube antes? Por que ambicionei tanto e a tudo, menosprezando o que tinha, e que de alguma modo me satisfazia?

Eu poderia muito bem, enquanto corria feito louco atrás das coisas da vida, parar, pensar, respirar fundo e notar que a felicidade está na caminhada, no vislumbrar o trajeto, e não em ansiar algo que sequer sabia o que de fato era...

Fui um trouxa, confesso, assim como a maioria de vocês que me lêem agora o são ou o foram em algum momento de suas parcas existências. Mas nem por isso me deixo quedar-me inerte. Ainda me restam o agora, não me importo mais com passado nem futuro, pois diria que sou um senil sonhador e tolo, cogitando algo na altura de meus oitenta e quatro anos.

Não me importa mais se a bandeira da Tailândia é cor-de-rosa, o porque de o navio afundar, nem com quantos paus se faz uma canoa. Nada disso me importa! Mais vale a torta que agora degusto debaixo desta goiabeira seca, do que a queda da bolsa de valores de Berlim.

Não quero mais salvar o mundo, nem corro da polícia ou do fisco... Não quero me enaltecer perante quem quer que seja, não quero nada, nem estou atrás de salvações anímicas extra-sensoriais-além-mundistas. Não!

Muitos se matam para viver... Já eu, um velho dito senil, vivo para morrer, bem ao modo do grande filósofo romano Sêneca, que Deus o tenha.

Poderia ficar escrevendo infinitamente, feito um autômato, mas minha cerveja está esquentando e o som de um tal de Joy Division está bem interessante...

Chove muito e o cachorro fez suas necessidades pela casa toda. Provavelmente diarréia. Mas o que posso fazer a não ser limpar sua obra, uma vez que o amo? O amor limpa merdas!

O vento varreu meus horrores, feito as folhas secas de uma calçada que há muito ninguém transitava, e que estavam ali, simplesmente...

Mais vale o sentimento..., o agora..., já que o fim, ah, o fim...

Savok Onaitsirk, 05.11.09.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 21/10/2010
Código do texto: T2569993
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