Reminiscências de Uma “Balada Pesada”.
Liguei para confirmar a reunião e o cara do outro lado da linha, como que do outro lado do mundo, do outro lado da lua, fogo cruzado, foi logo dizendo:
“Quem fala?”.
Disse. E ele disse mais, meio que gaguejando, em voz apagada:
“Rapá, não vai dar, não consegui acordar, fui a uma balada pesada ontem, perdi o ônibus! E você, a que horas começará?”.
Disse que na hora marcada, e desliguei.
Desliguei e fique a pensar: o que seria uma balada pesada a ponto de fazer com que o sujeito perca a cabeça, os trocados e o ônibus no dia seguinte?
Balada pesada seria sinônimo de uso de drogas? Seria altas horas? Mulheres e farras?
Existem milhares de classificações do que seja uma balada a ponto de a mesma ser chamada de “pesada”, e de fazer com que um cidadão perca a hora de tudo na vida, a hora do ponto, do expediente, da reunião, inclusive até a hora do enterro da própria mãe. Pode crer que quando isso se dá é porque o sujeito se embrenhou numa balada pesada, daquelas em que se recorda de poucas coisas, e as que se recorda, quer esquecer.
Existe um impulso inato, explicado pela psicologia, que diz que em dados momentos todos nós estamos sujeitos a alguns curtos-circuitos repentinos, que nos levam a lapsos de loucura incontroláveis.
São em horas assim que o cabra decide romper as fronteiras que levam rumo a uma “balada nervosa”, uma balada nevrálgica, que afaga e afoga ao mesmo tempo, que ao mesmo tempo acalenta e desalenta, uma balada lenta, quente, sórdida e surreal.
O sujeito não quer nem saber de arrependimento, sabe que o mesmo virá, a dar-lhe pontapés na razão; mesmo assim vai lá e faz, e o arrependimento obviamente nunca vem por antecipação.
O homem é um pecador por natureza, de nada adiantando queimá-los vivos, que eles ainda por cima acabam por reaproveitar a fogueira para fazer um churrasquinho, ou mesmo como os comerciantes de charque da época de Cristo, que utilizavam as carnes dos crucificados, expostas na via-crúcis, e as vendiam como se fossem iguarias raras, a melhor carne seca do sertão romano, e ainda por cima a altos custos.
O homem é um sanguinolento, um lazarento, que, lentamente, devora a si mesmo!
O homem é portador de uma “balada nervosa” dentro de seu bojo, não sabendo a maneira de saciá-la quando surge, devendo ser aos poucos, aos goles, aos porres de madrugadas vazias...
Savok Onaitsirk, sábado, 14.11.09.