A praia deserta

Um casal de amigos se encontra em meio a um dia atribulado. Fora problemático para ambos. Estavam estressados e pensando em como resolverem seus problemas. Mas, sempre que se viam, era a mesma alegria e alienação. Esqueciam os problemas e se concentravam um no outro. Amavam-se intensa e profundamente, com aquele amor entre amigos que dura para uma vida, às vezes até mais. Mais do que isso, divertiam-se juntos, falando bobagens, do ponto de vista dos outro, obviamente, fugindo, dessa forma de sua realidade, deixando de lado as responsabilidades. Mas, aquele dia foi diferente. Parece que ambos foram roubados por seus devaneios e retirados, por alguns minutos do mundo chamado real. E tudo começou com uma frase por ela proferida: “Eu quero férias, agora! Quero ir para uma ilha deserta!” Seu amigo responde quase que imediatamente: “Vamos, agora!” E foram.

- Douglas, onde estamos?

- Parece uma ilha deserta. Vejo o mar. Mas não ouço nada. E você, o que vê? Isabela! Pode me ouvir?

- Posso, e também ouço o mar, mas não o vejo.

- Não está vendo? Mas está bem aqui, na minha frente, quer dizer, na nossa frente, não entendo como não o ouço.

- Estou vendo, estamos em uma ilha deserta. Estamos mesmo!

- E agora? Temos que voltar, tenho aula daqui a pouco.

- Voltar? Ficou louco, esse é meu sonho, nosso sonho, pelo que me consta.

- Mas, e os compromissos, Isabela? O trabalho, a escola, os afazeres e tudo mais?

- Esse é o barato. Não ter que fazer nada, pois estamos perdidos! Veja tudo isso! É maravilhoso!

- Isso é mesmo, é lindo! Parece um sonho!

- E se for um sonho?

- Não, não é.

- Como sabe?

- Eu, sinto a areia nos meus pés. É fina e quente.

- Verdade. Veja! Um farol! Vamos até lá!

- Mas...

- Agora!

Correram até o farol, o amigo, como não estava acostumado a se exercitar, logo cansou. A amiga ainda tinha fôlego para subir as escadas correndo velozmente.

- Venha, Douglas, você precisa ver isso!

- Espera! Tô cansado, agora tenho certeza que é verdade, não me cansaria assim em um sonho.

- Não temos horários, nem compromissos, a vista é perfeita.

- Ufa, cheguei. É mesmo, é lindo. A vista é incrível. Sabe o que pensei enquanto subia as escadas?

- O que?

- Esse cenário me lembra muito daqueles filmes do Hitchcock, mas com a diferença que não tenho medo. A praia deserta, o farol, esses pássaros. Ouço o som das ondas quebrando nas pedras. Não tenho medo como nos filmes.

- Sabe por que Douglas?

- Não, você sabe?

- Claro, seu bobinho!

Enquanto as ondas quebravam, eles pensavam no que estavam contemplando e em como era do jeito que sempre sonharam acordados. Só não pensavam em como voltar. Isso não importava.

- Por que não temos medo, Isabela?

- Passe a língua nos seus lábios.

- Hum, é salgado. O que é que tem?

- O que? Ouça o som. Veja as aves. Que aves são essas?

- São os albatrozes, aqueles viadinhos.

- Não fala assim. Isso! São eles mesmos. Sabemos disso, por que foi com isso que sempre sonhamos. Sinta o vento. É gelado, mas não sinto frio. Se outros nos vissem aqui, na beira do farol, no vento, com esse poderoso som das ondas, os pássaros sobrevoando nossas cabeças...

-...pássaros gays...

-...tá, eles são. As pessoas sentiriam medo. As chamadas pessoas normais. Mas, nós não. Por que esse é nosso sonho. Aqui nos é seguro, por que é nosso.

- É particular.

- Para nós.

Pararam de falar e apenas contemplaram a paisagem. Apreciando cada momento. Notaram o que antes nunca poderiam ter visto nas fotos dos pássaros, em como eram sensíveis e frágeis, mas, ao mesmo tempo, fortes e determinados. Pensaram juntos, mas não falaram.

- São como nosso sonho, certo, Douglas?

- Frágeis e fortes.

- Exato.

- Isabela, aqui será nosso refúgio.

- Nosso porto seguro. É muito bom estar aqui e não acredito que fosse possível se não fosse contigo. Não quero ir embora.

Pela primeira vez um dos dois falou em ir embora. Ambos desejavam o mesmo: não voltar.

- Isabela, veja, quase além do horizonte! Um navio, uma embarcação grande, talvez.

- Uau!

- Parece que estão se aproximando.

- Tenho certeza, estão se aproximando.

- O que faremos?

- Não quero. Não quero ir.

- Temos que fazer algo.

- Vamos nos esconder, não podem nos ver.

- Se dermos um sinal eles nos verão. Você tem certeza?

- Sabe o que quero por que é o que você quer.

- Então está bem. Onde nos esconderemos? Na floresta? No farol?

- Nenhum desses lugares me parece seguro.

- Então?

- Já sei. Venha comigo!

Falou, porém, permaneceu parada. Apenas fechou os olhos e ele a acompanhou na missão. Sabiam o que fazer.

- Jamais nos encontrarão aqui, Isabela. Como sabia o que fazer?

- É o que sempre faço. Escondo-me em minha mente. Em meus pensamentos.

- Devem pensar que somos loucos.

- E somos.

- Verdade. O mundo não merece nossa sanidade.

- Douglas.

- Sim.

- Sabe o que está acontecendo agora?

- Sim, estamos escondidos em nossa mente.

- E sabe por que conseguimos?

- Não.

- Por que estamos pensando juntos agora.

Ao abrirem os olhos, estavam na avenida central com o trânsito, as buzinas, a poluição, as pessoas se xingando e se empurrando. E ficaram se olhando em meio à multidão.

- Isabela, é sempre bom te encontrar. Mande recomendações minhas para seus familiares.

- Eu que o diga! Tchau! Agente se fala.

- Ah, Isabela!

- Fala Douglas.

- Temos que fazer isso mais vezes.

- Faremos.

P.S.: Esse conto foi escrito com minha prezada poetisa e queridíssima amiga Isabela Espósito. Ela prometeu fazer a versão dela. Então esperem uma melhor que essa.

Prima
Enviado por Prima em 05/11/2010
Reeditado em 05/11/2010
Código do texto: T2597541
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